terça-feira, 14 de janeiro de 2014

DEZ DE JANEIRO

Nesse dia, por anos, uma figura ímpar saía da Avenida Cubas vestida de mulher, porque assim o era, ao contrário dos outros 364 dias do ano em que se vestia de homem. Figura magra tinha aquela negra que transitava entre os estivadores e os outros que frequentavam o bar do Chico do Ernesto. Entrava e saía com desenvoltura e respeito, argumentando, discutindo e vivendo uma vida totalmente estranha aos ditames da época. A negra Emília fazia aniversário nesse dia. Ela e o Chico do Ernesto (Francisco Amarante de Moraes). E este era o dia escolhido por ela para não beber, se vestir de mulher e trazer um ramalhete de flores para o Chico. A repetição desta cena, por anos, ficou na memória deste que escreve, pois teve a felicidade de se criar na esquina da Procópio Gomes com a Ipiranga (hoje Plácido Olímpio de Oliveira), local do ato, e viver a época da estiva e dos estivadores, que tanto ajudaram no desenvolvimento de Joinville, através do seus esforços no carregar e descarregar mercadorias dos navios que aportavam no cais do Bucarein. Bons tempos de rio Cachoeira limpo e navegável e de um bairro ordeiro e divertido. Todos sabiam que ao final do dia estariam ali no bar reunidos, os amigos do Chico e da Emília, para comemorarem os aniversários e curtir sambas do bom, tocados pelo Bera no seu bandolim, negro Buião no pandeiro e Loli no violão de sete cordas. Nenê Castelhano, Negro Alemão, Barata e Baratinha, os irmãos Caneta, Melão, Lula, China, Jacaré Diniz, professor Kavanagh e tantos outros, que fizeram a história do bairro e, por conseguinte, a de Joinville, invariavelmente, estavam lá. Bons e felizes tempos. Escrevo estas linhas coberto de felicidade pela lembrança, mas com a dor da saudade, considerando que em algum outro plano do universo, onde se encontram os que já se foram, a negra Emília estará, com um ramalhete de flores nas mãos, vestida de mulher e se encontrando com o Chico e todos os outros que já partiram. Para aqueles que já tiveram seu pai levado para o Oriente Eterno pelo Grande Arquiteto do Universo, divido a letra da música de Sérgio Bittencourt: " Naquela mesa ele sentava sempre/ e me dizia sempre o que é viver melhor/ Naquela mesa ele contava histórias/ Que hoje na memória eu guardo e sei de cor/ Naquela mesa ele juntava a gente/ E contava contente o que fez de manhã/ E nos seus olhos era tanto brilho/ Que mais que seu filho/ Eu fiquei seu fã. São mais de dez anos sem o Chico, mas este dia, sempre, me faz voltar no tempo, sorrir, lacrimejar e ficar curtindo a história de quem a viveu.