sexta-feira, 6 de março de 2015

DESPEDIDA

Minha filha, até uns quatro anos, tinha um trapo de manta, que chamava de “cheirinho” e que fazia parte do seu dormir. Chorava e sofria quando este estava no varal, secando. Desapegar do trapo foi uma novela. Custou. Pois agora chegou a minha vez. Aposentadoria. Esta história de desapegar é moleza com os outros. Está difícil começar o semestre sem uma sala repleta de alunos, após 35 anos desta rotina. Sou muito feliz e grato a Deus por ser quem sou. Entendo que tenho força interior para superar, mas, no final das contas, não é fácil sorrir estando com vontade de chorar. Tento entender, imaginando que desapegar não é expulsar lembranças da mente, mas diminuir o poder delas sobre mim, colocando-as no cantinho adequado: o do passado. Difícil é partir deixando toda a envoltória do local de trabalho, sem se sentir desistindo de mim ou do restante. Percebo-me como se estivesse me despindo de alguns sonhos e entrando em um labirinto, sem muitas perspectivas de encontrar a saída. Sempre tive a consciência de que todo ponto de chegada é também de partida e de que no cemitério está cheio de insubstituíveis. Por isto, mesmo sem ter a intenção de sofrer, aposentar está me parecendo entrar num trem e deixar a estação, sem destino, mas sabendo que farei parte de outras paisagens. Ainda falta desapegar a ponto de ocupar o espaço na alma com o que chega para me transformar, entendendo que o que realmente importa está com o que vai com a gente e não com o que fica. O que fica estará num cantinho específico, gerando, somente, lembranças. Agora entendo o apego de minha filha pelo “cheirinho”. Esse tal de apego, hoje grudado em mim, é antagônico, pois ajuda ao mesmo tempo que atrapalha. Ajuda porque é sempre bom sentir, gostar, ter carinho por espaços e por pessoas. Atrapalha porque virar a página, partir, é complexo. É difícil deixar para trás o “cheirinho” que fez parte da sua vida. É difícil sair da zona de conforto, dar um passo à frente sem saber o que vai encontrar. Mas não tem volta, agora é ir ou ir, controlando a adrenalina, alçando novos voos e desejando felicidades aos que ficam com a obrigação de fazer a universidade dos catarinenses, Udesc, crescer mais e mais, cumprindo seus objetivos.