terça-feira, 22 de setembro de 2015

O médico e o monstro

Parado na frente de uma escola, destas em que os pais buscam os filhos em carros caros, vi uma cena que me levou à 1974, quando estudante de engenharia. Uma senhora estacionou seu carro para esperar os filhos e nem aí para os outros que queriam passar. Um senhor começou a buzinar e não é que a mulher desceu do carro e desancou o dito com palavrões, que me fizeram sentir o ardido da pimenta malagueta que minha mãe, esfregou na minha boca quando me atrevi, ainda menino, a falar algo parecido. Tive uma disciplina de planejamento urbano, lecionada por um arquiteto, que chamávamos de Paulinho Maravilha, que acabara de voltar de seu mestrado na Holanda. Passar um filme em aula, diferentemente de hoje, era difícil, mas ele numa daquelas tardes passou. Era uma paródia do livro “o médico e o monstro”, de Robert Stevenson. No livro o autor aborda uma temática pesada, mas essencialmente humana: o bem e o mal que existe em cada um de nós. Dr. Jeckyll, o médico representa o bem e Hyde, o assassino, o mal. Uma mesma pessoa com duas personalidades antagônicas. O filme canadense feito para orientar as pessoas no transito, mostrava como estas se transformam quando estão ao volante de um veículo e parodiava o livro, mostrando um médico pediatra atendendo com toda gentileza possível crianças em seu consultório. Encerrado o expediente ele sai dirigindo como uma besta, transformado em Hyde e com temperamento colérico, totalmente impaciente, ultrapassava onde não devia, buzinava, acelerava e xingava àqueles que entendia estarem lhe atrapalhando no transito. De repente uma bola atravessa na frente do carro e ele teve que dar uma freada brusca para não atropelar uma criança. Foi o suficiente para ele descer e achincalhar o pequeno. Pouco depois ele chega na sua casa e dois filhos vem correndo em sua direção. Volta o dr. Jeckyll, que abraça as crianças e entra em casa feliz. Voltei no tempo e correlacionei com o que estava acontecendo ali. A senhora, de boa estampa, alterada e achincalhando o senhor que só queria continuar seu caminho. Em seguida chegaram os filhos dela e esta os abraça, coloca-os no carro e sai sem olhar para traz. Fiquei ali pensando no professor Paulinho e no porque nos transformamos quando estamos dirigindo um veículo qualquer. O que nos acontece a ponto de nos transformarmos de Jeckyll a Hyde em segundos?