Na minha mente, passou um filme que me reportou a quando eu fazia a quarta série do primário no Grupo Escolar Rui Barbosa. No café daquela noite, minha mãe me disse: “Ano que vem, vais estudar no Colégio Bom Jesus!” E meu pai perguntou: “E como vamos pagar?” “Deixa comigo”, respondeu ela. No outro dia, ela disse: “Tá tudo certo. Acertei com a dona Anna Harger, diretora do Bom Jesus, e ela vai te dar uma bolsa. Vais fazer a admissão ao ginásio e, se passares em primeiro lugar, continua lá. A condição é esta: primeiro aluno da classe continua na escola”.
Para ensaiar, já fui o primeiro naquele ano no Rui e, ainda por cima, ganhei uma caderneta de poupança, daquele que foi único banco joinvilense: Casa Bancária Germano Stein. No outro ano, estava no Bonja, assim como em todos os anos do ginásio.
Outro dia, estava numa solenidade e, como reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), fui citado pelo cerimonial. Pouco depois, veio até mim um amigo de Joinville, que não via há tempos, e ficamos conversando. Após, chegou sua esposa e me disse: “Então tu és o Anselmo Moraes?” “Faz tempo”, respondi. Aí ela me disse: “Eu sei, estudamos juntos no Bonja e quero te dizer que tínhamos muita raiva de ti”. “Eu sempre soube”, disse, afinal de contas, eu era um guri pobre de bairro, estudando em escola de rico. Ela me respondeu: “Não era por isso, mas sim porque a dona Anna nunca te chamou de ‘joia’ nem te deu uma varada e ainda por cima só tiravas dez. O que pensar?”
Depois de mais de 40 anos achando que era discriminado por ser de bairro e classe social inferior, descobri que o era porque estudava quem nem maluco, para ser o melhor da classe e não perder a bolsa. Nesse dia, descobri mais um tipo de discriminação: a dos que não estudam em relação aos que estudam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário