terça-feira, 22 de outubro de 2013

Lembranças do Donato e do Bucarein

Outro dia, estava tomando café com o Pablito, meu filho, e no lugar da manteiga eu passava abacate no pão. Ele olhou e disse: – Ô, pai, pão com abacate? Respondi: – Delícia! Na minha infância, nos anos 1950, os mais abastados comiam pão com manteiga e os outros, como nós, pão com banha ou com abacate. – Capaz – disse ele. – Tu pensas que naquela época tinha nas vendas essa variedade de produtos? Café era Moka ou Amélia. Pão era feito no forno a lenha, em casa. Quando sobrava um troco, a gente comia um chineque da Padaria Wagner ou da Brunkow. Macarrão, da Stein, era comida de domingo com galinha do quintal, morta e limpa pela vó Maria e, de quebra, gengibirra (refresco de gengibre). Durante a semana era siri, sardinha frita e linguiça, que naquela época era barato. Dizia o Chico do Ernesto que linguiça é a defesa do pobre. Hoje, pelo preço, é comida de abastado. Aos sábados, era caldo de peito de boi com cará, taiá, aipim, batata-doce, chuchu e repolho, comprados do seu Oge, um alemão de Pirabeiraba que passava de carroção na nossa rua, toda sexta. Por falar nesta iguaria, lembro do Donato. – Lá vens tu com histórias. Quem era este? – O Bucarein, célula mater de Joinville naquele tempo, teve várias personagens folclóricas: Bananeira, Pasteleiro, Melão, Nega Emília e, para mim, o mais significativo foi o Donato. Morava sob qualquer marquise, ali no Mercado Público. Todos os sábados, entrava portão adentro, lá em casa, já meio torto da Jabiru, cachaça da época, com uma lata de óleo de soja Primor vazia e gritava: “Chico, tem cozido hoje?” E o pai respondia: “Donato, tais descalço ou de sapato?” Era um festival de palavrões. Quando ele se acalmava, o Chico pegava a lata e enchia de cozido. O Donato agradecia e ia em frente. Meu pai dizia que ele tinha sido um grande goleiro do América e que num jogo contra o Caxias, em dia de chuva, foi rebater uma bola e a chuteira saiu do pé. A bola de couro, pesada, passou e entrou. O América perdeu. Daí em diante, a galera pegava no pé dele gritando qualquer coisa que acabasse com sapato. Toda vez que ele me encontrava, perguntava: “Alemão, vais à missa?” E eu respondia: “Vou e de sapato”. Ele olhava para mim e sorria. Nunca me xingou. Apesar da gozação do Chico, ele vivia lá em casa e gostava muito da gente. O pai era a família dele. Grande Donato!

5 comentários:

  1. A nega Emília eu conheci, morava fundos da recreativa da casan e o Donato tenho uma vaga lembrança..., lembras da Rosa do pé inchado?, lembro de um "barraco" que ela armou uma vez na fila do Cine Colon, num domingo a tarde...Citei a Rosa, Anselmo, apesar de saber que ela não morava por ali, a Emília morava sim na lateral da avenida Cubas (atual Francisco Gomes de Oliveira - lat. da Procópio Gomes), na rua Servidão Farias, lá no final, fazendo rumo com terreno da Casan..., estamos ficando velhos, eh,eh Tarcísio tamboni

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  2. Não perco os "escritos". Ótima leitura, e me permite conhecer a Joinville que não conheci, pois como tantos sou mais um migrante que aqui chegou há 21 anos.

    Meu reitor, professor, engenheiro e escritor. Prepare uma coletânea, edite um livro com as melhores..
    Benhur Antonio Cruz de Lima

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  3. Quando vejo vc falando do Bucarein, reconheço a maioria dos personagens sem conhece-los, mas das tantas histórias contadas pelo meu pai e a minha tia, que nasceram aqui no "Buca". Um abraço

    Cleide Beatriz Braga

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  4. Pô Anselmo!!! Nós ali da Abdon Batista também tínhamos para com o Donato um grande apreço... Ali do Mercado (velho o bonito Mercado - com Arquitetura Açoriana), ele sempre estava de olho na gente, pois de algum jeito nós estávamos por ali, ou pra comprar peixe, ou carne, ou verdura pra mãe, ou até pra comprar anel do caveira, ou ainda, pela Abdon Batista andávamos com sacos de serragem (da Tacolindner) para revestir o nosso campinho de bola (onde hoje funciona alguma coisa da Secretaria da Fazenda Estadual). Você, com o Donato, novamente me trouxe lembranças da minha maravilhosa infância... (também no quase Bucarein - na divisa)...

    Miro Luiz Algemiro Guimarães

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  5. Dr Anselmo
    Uma delicia seus artigos...mas quando li DONATO no AN fui tomada por uma estranha sensação de medo há muito tempo adormecida, e gostaria de relatá-la.
    Explico: Quando minha mãe (5 filhos) não conseguia nos controlar invocava ameaçadoramente seres como o duende da vara de marmelo, lobisomem, Nega Emilia e como ultimo recurso gritava – VOU CHAMAR O DONATO!!!!!! – e a paz voltava a reinar imediatamente.
    Meu temor a respeito do referido cidadão foi sacramentado quando um dia meu pai, um típico Lorde Inglês no trajar e no falar, desancou impropérios do mesmo nível usado pelo Donato...um horror!
    Explico: Ele (Donato) havia roubado do varal um par de ovas de Tainha postas para secar, que, diariamente, meu pai acariciava e apertava para ver se estava no ponto certo.
    Agradeço a atenção e gostaria de tentar me identificar – eu era aquela magrela do Bom Jesus muito alta, perdida em pernas e braços conhecida como Olivia Palito, que freqüentava a mesma sala de aula de um tal de Anselmo (menino prodígio, só nota 10) que como eu morava “pracá”do trilho. Porque “pralá” do trilho, de importante só tinha a saída para Ubatuba, a peixaria da Barra, a garapa e pinhão da Dona Iaiá Minine e o Beto Giuliari.
    Um grande abraço,
    Iracema

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