quarta-feira, 17 de junho de 2015

Trairaço rei

Estava observando o Henrique, meu neto holográfico, brincar com um coleguinha, e discutir a divisão dos brinquedos. Espertinho, não estava fazendo uma divisão justa. De repente, ele vira para mim e pergunta: - Vô Pirulito, sabes por que o vô Gordurinha chamou o tio Mindoin de trairaço rei? Viajei no tempo e lhe disse: - Este termo é antigo. Quando eu e meus irmãos tínhamos a idade de vocês, a gente passava as férias de verão na praia de Itajuba, com a vó Maria. Um dos passatempos preferidos era pescar no rio que ficava nos fundos do terreno do seu Pedro Pavio. Um rio piscoso, de água doce, em que pescávamos carás e traíras – que, à noite, a vó fazia frito para comermos com pirão d’água. Depois do almoço, passávamos no bananal da dona Miquelina, catávamos minhoca e lá íamos faceiros para a pesca. Colocávamos a isca e arremessávamos a linha com a devida rolha colorida na água, esperando as beliscadas para puxar, se tivéssemos sorte, um dos peixes que ali existiam. Um dia, o Gordurinha, agoniado, mal a rolha começou a balançar, puxou com tudo e, claro, não veio nada. Daí, a vó disse a ele: - Era um cará! - Como a senhora sabe? – perguntei. - Para conhecer os peixes, tens que conhecer as manhas. O cará, que tem boca pequena, fica beliscando e tirando a isca aos pouquinhos, até entender que o restante cabe na boca e, aí sim, engole. Por isso, para pegá-lo, tens que ter paciência. Já a traíra, não. Ela tem boca grande, engole e leva a rolha de vez para o fundo. Mas, nos dois casos, tens que estar atento, senão te levam a isca. Naquele instante, a rolha da linha dela foi com tudo para o fundo e ela, esperta, puxou. Veio uma baita traíra, ao que exclamou: - Um trairaço rei! - Hum, entendi. Tem esse nome porque é mais bocudo, mais ligeiro e tem mais ganância! – disse o Henrique. - Isto mesmo. E como o vô Gordurinha acha o tio Mindoin ligeiro, de boca grande e ganancioso, ele o chama de trairaço rei. E, já que entendestes, volta lá e divide certinho os brinquedos com teu coleguinha, senão, também te chamo. - Pode deixar vô, já entendi!