segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Discriminação


Em 2 de agosto, eu lia em “AN”: “Lara faz parte de um grupo de 115 adolescentes do Paranaguamirim que estudam em colégios particulares financiados por um projeto social. Ela conseguiu a bolsa na quinta série e tem se esforçado muito para não perdê-la. Os alunos têm de manter boas notas e comportamento. Rodar de ano é proibido. O período de adaptação pode ser difícil, pois, em geral, colégios particulares têm exigências e formas de convívio diferentes dos públicos”.

Na minha mente, passou um filme que me reportou a quando eu fazia a quarta série do primário no Grupo Escolar Rui Barbosa. No café daquela noite, minha mãe me disse: “Ano que vem, vais estudar no Colégio Bom Jesus!” E meu pai perguntou: “E como vamos pagar?” “Deixa comigo”, respondeu ela. No outro dia, ela disse: “Tá tudo certo. Acertei com a dona Anna Harger, diretora do Bom Jesus, e ela vai te dar uma bolsa. Vais fazer a admissão ao ginásio e, se passares em primeiro lugar, continua lá. A condição é esta: primeiro aluno da classe continua na escola”.

Para ensaiar, já fui o primeiro naquele ano no Rui e, ainda por cima, ganhei uma caderneta de poupança, daquele que foi único banco joinvilense: Casa Bancária Germano Stein. No outro ano, estava no Bonja, assim como em todos os anos do ginásio.

Outro dia, estava numa solenidade e, como reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), fui citado pelo cerimonial. Pouco depois, veio até mim um amigo de Joinville, que não via há tempos, e ficamos conversando. Após, chegou sua esposa e me disse: “Então tu és o Anselmo Moraes?” “Faz tempo”, respondi. Aí ela me disse: “Eu sei, estudamos juntos no Bonja e quero te dizer que tínhamos muita raiva de ti”. “Eu sempre soube”, disse, afinal de contas, eu era um guri pobre de bairro, estudando em escola de rico. Ela me respondeu: “Não era por isso, mas sim porque a dona Anna nunca te chamou de ‘joia’ nem te deu uma varada e ainda por cima só tiravas dez. O que pensar?”

Depois de mais de 40 anos achando que era discriminado por ser de bairro e classe social inferior, descobri que o era porque estudava quem nem maluco, para ser o melhor da classe e não perder a bolsa. Nesse dia, descobri mais um tipo de discriminação: a dos que não estudam em relação aos que estudam.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pedra-ume

Dia desses, conversava com meu amigo Clóvis Dobner, filho desta Joinville e dos melhores engenheiros que esta terra já produziu, sobre os dizeres, de muitos, que a única chance de mudar o Brasil é votar certo. Escolher a pessoa certa. Mostrei-lhe o quanto sou decepcionado e incrédulo quanto a este aspecto, pois os candidatos que nos apresentam a cada nova eleição são sempre nomes requentados e escolhidos pelo partido, ou seja, por eles mesmos e pelos “donos” destes. O sujeito se transforma em político profissional e vai de cargo em cargo até se aposentar.

A forma e o modelo da nossa estrutura política não nos dá muitas hipóteses. Não temos muitas escolhas e, ainda por cima, somos obrigados a votar. Para tentar não errar, temos que escolher o “menos pior” ou aquele que nos mostrou alguma coisa boa, e estes existem, no meu entender, mas são poucos.

Isso me desanima e me faz crer que só mudaremos este status quando for proibida a reeleição. Triste, estou entrando para a turma dos que votam em branco. Ele, então, dentro daquela sua irreverência habitual, me disse: “Tu, quando garoto, trabalhava no bar do teu pai. Eu, na Farmácia Dobner, ali na Visconde de Taunay, que era do meu. Naquela época, nos anos 1960, ali nas redondezas era a região de moças que rodavam as bolsinhas. À noite, na farmácia, apareciam as paradoxalmente chamadas de “mulheres de vida fácil”, que faziam ponto na rua Nove de Março, para comprar pedra-ume. Na curiosidade da minha juventude e no afã de conversar, perguntei um dia para a Aninha “Toda Pura”, uma das profissionais mais antigas e requisitadas da região: ‘Por que vocês compram tanto destas pedras?’ E ela me respondeu: ‘Oh, meu garoto, ainda és novito pra entender destas coisas. Nossos clientes sabem que somos rodadas e que estamos longe de sermos virgens, mas como a pedra-ume dá ‘uma colada’ no nosso produto de oferta, eles se satisfazem, mesmo sabendo que estão sendo enganados’”. Então, me disse: “Temos que fazer assim também. Não adianta não votar. Votemos e pensemos que os políticos são puros”.

Fiquei pensando na filosofada do meu amigo “maluco beleza” e resolvi uma coisa: vou continuar votando, mas pelo sim ou pelo não, vou tentar votar em candidato que me pareça não estar usando pedra-ume para me enganar.

Excêntrica, por Anselmo Fábio de Moraes*

Em “AN”, na coluna “AN Portal”, de Jefferson Saavedra, de 20/7, leio: “Entre tantos problemas que atrasam a conclusão do Parque do Boa Vista (lista longa, vai desde desvalorização cambial até chuvas) está a necessidade de mudança dos decks no final das trilhas, onde o pessoal pode ficar de observação. O solo não suporta estruturas de concreto. Terão que ser de metal, uns R$ 700 mil mais caros. Não há prazo definido para a conclusão das obras do maior parque programado com a grana do Fonplata.”

Sinceramente, não consigo acreditar no que leio. Ou o colunista se enganou ou tem algo errado com quem fez o projeto, com quem financiou, com quem autorizou, ou com quem está gerenciando a obra. Senão, vejamos: quando a gente faz uma gambiarra em casa, aquelas famosas emendas de meia-água, sem projeto, para não gastar, não pagar arquiteto e nem engenheiro, muito menos Crea, INSS e Prefeitura, a gente define as fundações fazendo uns furos de trado manual como sondagem (coisa empírica e que qualquer pedreiro sabe fazer).

Agora, uma obra pública de porte, de milhares de reais, licitada com dinheiro de financiadora internacional, com arquitetos e engenheiros, vir com a argumentação de que a obra vai atrasar porque o solo não suporta estrutura de concreto? Tem que ter alguma coisa errada.

Não é possível que os arquitetos tenham feito o projeto e que os engenheiros tenham dimensionado as estruturas e agora nesta fase final da obra se use como desculpa para o atraso que o solo não suporta a estrutura dos decks e que esta tenha que ser mudada para estrutura de aço. Desculpem-me a sinceridade, mas estão brincando com a engenharia e com a minha inteligência. O mínimo que se faz em uma obra qualquer e que vai receber uma estrutura é, antes de começar o projeto, fazer uma sondagem do solo. Esta de que o solo não suporta estrutura de concreto é no mínimo brincadeira.

Se a notícia é verídica, eu diria que a desculpa da vez é, em termos de engenharia, no mínimo excêntrica, para não dizer ridícula. Como diria o Lilo Boca D’Água, figura das melhores nascida ali no Bucarein: “Quem inventa uma desculpa dessas em ano de eleição mente até pra padre no confessionário”.

Passividade

Passar um tempo em Portugal foi para mim muito prazeroso. Um tempo de experiências em termos acadêmicos e de novas amizades. Porto é uma cidade musical e tem um dos melhores espaços do mundo para esta arte, a Casa da Música. Um edifício usado por dentro e por fora para apresentações musicais. Jamais esquecerei das lamúrias cantadas e dos acordes da viola portuguesa, dos belos fados. A política de Portugal é muito parecida com a nossa, apesar de eles parecerem mais brigões, mais incisivos. Fazem o mesmo jogo de cena. Apesar de o país fazer parte da zona Euro politicamente, o povão é igual ao nosso, passivo! Neste viver, entendi por que os políticos nos usam, nos jogam de um lado para o outro; por que levamos chutes todo o tempo e nunca nos revoltamos; por que aceitamos ver quem ontem era inimigo, acusava e ofendia ser hoje amigo, abraçados no mesmo palanque, como se o dito no passado não existisse. E não fazemos nada. Às vezes dizemos: na próxima eleição, voto em branco. Os políticos têm o dom da palavra. Do convencimento. E nós, iguais a torcedores de times de futebol, mesmo perdendo, continuamos com eles. Aceitamos os discursos e abraçamos as desculpas como verdades absolutas.

Outro dia, na reitoria da Universidade do Porto, atrás de panfletos de cursos, encontrei um que me deu a resposta. Era um convite para a Tertúlia Castelense, em Maia. Na contracapa estava escrito:

“O que mais nos admira neste país é a nossa perspectiva das coisas. Não é a falta de uma orientação política para o futuro, não é a indefinição de objetivos para trabalharmos para um bem comum e nacional. Não é a noção de justiça social ou de serviço público. Não é o constante adiar das diversas reformas na educação e na cultura, na justiça e na saúde, no Estado e na economia. Não é vivermos dois países, entre interior e litoral, ou o abismo na distribuição do rendimento. Não é o desequilíbrio entre o cidadão e o Estado, não é a irresponsabilidade entre quem elege e quem é eleito, não é a desconfiança por quem regula ou governa. É a forma como exercemos a democracia e, acima de tudo, a nossa passividade.” Lendo isto entendi muita coisa e, principalmente, lembrei de um ditado que aprendi quando pequeno: “A fruta nunca cai longe da árvore”.