quarta-feira, 30 de março de 2016

Seu Carlos, o Cabrito

A cidade tem a cara das pessoas que a fazem, me disse, um dia, meu amigo e professor de patrimônio histórico, arquiteto Douglas Heidtmann. Sempre penso nesta afirmativa quando me despeço de alguém representativo, que parte deste oriente para o eterno. Cidades são feitas pelas ideias e pelo viver das pessoas que nela habitam. Representam seu modo de ser, suas angustias, seus prazeres, enfim, suas almas, pelo menos é assim que as vejo. Escuras, claras, sisudas, soltas, sóbrias, despojadas, elegantes ou deselegantes. Umas poesias, outras prosas. Umas libertam, outras sufocam. Algumas são velhas, mas adolescentes, outras adolescentes, mas velhas. Acho que um dia com esta pasteurização que vivemos (as mesmas redes de lojas, de fast food) elas ficarão muito parecidas, como são os shoppings centers. Por sorte, ainda, esta ânsia pelo conforto e consumo seguro é interno a grandes edifícios e não tem prejudicado o pulsar e o viver das ruas, que são como um amalgama que envolvem encantos e defeitos e traçam a personalidade da cidade. Uma vez falei para um amigo sobre Laguna. Ele a visitou e voltou decepcionado com a minha indicação. “Uma cidade velha, com prédios caindo aos pedaços, calçadas com postes e estreitas, que fazem com que a gente tenha que andar desviando. Como gostar desta cidade”? “Gosto porque é uma cidade antiga, com prédios caindo aos pedaços, calçadas estreitas, respondi, e adoro desviar dos postes”, mas nem perdi mais tempo, explicando. Com explicar que gosto das cidades que têm alma, personalidade. Laguna é uma cidade alegre, as vezes até demais, e tem alma e personalidade ímpar. Conheci seu Carlos, o Cabrito, em Joinville a uns 25 anos atrás, quando ele visitava sua filha, que trabalhava comigo. Empatia de primeira hora e, por estas coisas do destino nos aproximamos, já que morei em Laguna nestes últimos 5 anos. Cada vez que o encontrava, pensava: “seu Cabrito é a cara e a alma de Laguna”. Aos 90 anos, ele subiu para o “andar de cima” e estive lá para homenageá-lo e ajudar a levar seu corpo carnal até sua morada definitiva. Seu espirito, imagino, antes de ir para seu novo local de permanência, deve ter dado umas voltas pelos locais onde viveu seus melhores momentos, além de ter passado no próprio velório, para dar uma zoada, afinal era um grande e divertido “cara” e não perderia a oportunidade.