segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Como sair de cena?

Nos anos 1960, entre os nove e os 14 anos de idade, saía do Bucarein todos os dias para ir ao Bonja, onde fiz meu curso ginasial. Sempre ia pela rua do Príncipe e, ao contemplar as obras da Catedral, pensava: um dia serei engenheiro civil. Formei-me em 1975 na cidade de Piracicaba e nunca me imaginei em outra profissão. De repente, em 1981, em uma festa patrocinada pelo amigo de infância e também engenheiro civil José Carlos Vieira, convidado que fora para ser paraninfo (na minha opinião, a maior honraria que um professor pode receber de seus alunos) de uma turma de formandos da Faculdade de Engenharia de Joinville (FEJ), hoje CCT-Udesc, surgiu o convite do diretor, o saudoso professor Renato Colagrande, para eu lecionar no recém-criado curso de engenharia civil. Levei as duas profissões em paralelo até 2004. Daí para frente, passei a ser um engenheiro-professor. Outro dia, ao levar alunos para visitar uma obra na Incorposul, das boas construtoras de Joinville, ouvi de minha ex-aluna Ione: – Mestre, essa tua paixão pela engenharia e por lecionar sempre nos contagiou – o que me deixou extremamente envaidecido. Meu amigo e irmão Theófanes, o pândego, dia destes me perguntou: – Falta quanto tempo para tu te aposentares? – Já podia estar há quatro anos – respondi. – E por que não te aposentas, se como funcionário público continuarás recebendo o mesmo salário? – Meu amigo, não consigo. Trabalhar com a juventude e poder passar um pouco do conhecimento adquirido nos anos de pés sujos de concreto, assim como receber de volta os olhares brilhantes e fixos às explanações, me deixam muito feliz. Mas sei que vai chegar o dia – afirmei. Confesso que esta conversa me deixou encucado, pois tenho pensado muito na hora de parar. Mas confesso que entrar na sala de aula cansado e, dentro de minutos, ao sentir a reação da turma, transformar o cansaço numa viagem maravilhosa de ensinar e aprender, não tem preço. Acho que parar de lecionar vai doer na alma. Todos os semestres, os formandos ganham o mundo e a gente sente um vazio, ficando de coração partido com o partir deles. No entanto, como em toda perda, isso passa, pois logo chegam novos alunos, com novos olhares e sonhos e a vida continua. Neste final de semestre, passei por momentos que já passei outras vezes, mas que ainda me emocionam. Fui convidado para ser paraninfo da turma que se forma agora e, para aumentar a emoção, foi-me oferecida, também, a homenagem pela turma que se forma em julho. Daí o dilema: como sair de cena sem sofrer demais? * Doutor em engenharia civil hans.moraes@gmail.com

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Lembranças do Donato e do Bucarein

Outro dia, estava tomando café com o Pablito, meu filho, e no lugar da manteiga eu passava abacate no pão. Ele olhou e disse: – Ô, pai, pão com abacate? Respondi: – Delícia! Na minha infância, nos anos 1950, os mais abastados comiam pão com manteiga e os outros, como nós, pão com banha ou com abacate. – Capaz – disse ele. – Tu pensas que naquela época tinha nas vendas essa variedade de produtos? Café era Moka ou Amélia. Pão era feito no forno a lenha, em casa. Quando sobrava um troco, a gente comia um chineque da Padaria Wagner ou da Brunkow. Macarrão, da Stein, era comida de domingo com galinha do quintal, morta e limpa pela vó Maria e, de quebra, gengibirra (refresco de gengibre). Durante a semana era siri, sardinha frita e linguiça, que naquela época era barato. Dizia o Chico do Ernesto que linguiça é a defesa do pobre. Hoje, pelo preço, é comida de abastado. Aos sábados, era caldo de peito de boi com cará, taiá, aipim, batata-doce, chuchu e repolho, comprados do seu Oge, um alemão de Pirabeiraba que passava de carroção na nossa rua, toda sexta. Por falar nesta iguaria, lembro do Donato. – Lá vens tu com histórias. Quem era este? – O Bucarein, célula mater de Joinville naquele tempo, teve várias personagens folclóricas: Bananeira, Pasteleiro, Melão, Nega Emília e, para mim, o mais significativo foi o Donato. Morava sob qualquer marquise, ali no Mercado Público. Todos os sábados, entrava portão adentro, lá em casa, já meio torto da Jabiru, cachaça da época, com uma lata de óleo de soja Primor vazia e gritava: “Chico, tem cozido hoje?” E o pai respondia: “Donato, tais descalço ou de sapato?” Era um festival de palavrões. Quando ele se acalmava, o Chico pegava a lata e enchia de cozido. O Donato agradecia e ia em frente. Meu pai dizia que ele tinha sido um grande goleiro do América e que num jogo contra o Caxias, em dia de chuva, foi rebater uma bola e a chuteira saiu do pé. A bola de couro, pesada, passou e entrou. O América perdeu. Daí em diante, a galera pegava no pé dele gritando qualquer coisa que acabasse com sapato. Toda vez que ele me encontrava, perguntava: “Alemão, vais à missa?” E eu respondia: “Vou e de sapato”. Ele olhava para mim e sorria. Nunca me xingou. Apesar da gozação do Chico, ele vivia lá em casa e gostava muito da gente. O pai era a família dele. Grande Donato!

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

ETT

Completei o ginásio no Bonja em 1967 e o Chico do Ernesto me disse: “ano que vem vais estudar na Escola Técnica Tupy”. “Pai, tu sabes que para entrar lá tenho que fazer uma prova?”. Naquela época o acesso era muito concorrido. “Sei disso. Mas vais tirar de letra. E lá, além de ser uma excelente escola, o curso é gratuito!”, completou. Em 1959, um dos históricos joinvilense , Hans Dieter Schmidt, na época presidente da Fundição Tupy, fundou a Escola Técnica. Ao visitar uma empresa Suíça, ficou encantado quando percebeu que a direção desta se preocupava com a comunidade, possibilitando às pessoas a educação para o aperfeiçoamento pessoal e profissional através de uma escola diferenciada. Sonhou uma igual para Joinville e a fez! Bom, no inicio de 1968, lá estava eu embarcando no ônibus do BEKA, ladeado pelos meus veteranos, João Paulo, Heinz, Johnny e Vitor, que moravam na pensão da Dona santinha, no lado do Bar do Chico do Ernesto, na avenida Procópio Gomes. Teoricamente, porque compravam fiado os “schnecks” que comiam no café da manhã no bar do meu pai, estariam ali para me proteger, já que os veteranos não davam refresco. Eram tempos de trotes. Chegando na ETT, o Heinz me disse: “Nós vamos te proteger, mas terás que me fazer um favor: quando chegarmos lá, vou te mostrar um veterano. Tu vais te aproximar dele e dizer: Querido e bom veterano “Kurt Kabunda”, poderias me informar como está passando a vossa irmã? Se ele te sorrir e responder, tudo bem. Se ele envermelhar, sai correndo!” Ao me mostrarem o veterano, um armário com as feições de um legitimo ariano e que lembrava um porteiro de Treblinka, senti que alguma coisa estava errada. Mas o que fazer? Malandrinho do Bucarein, queria fugir das tintas e das brincadeiras de mau gosto. Dei três voltas ao redor do anfiteatro e por ser magricela consegui fugir daquele alemão que, espumando de raiva, queria me trucidar. Depois de rirem muito, os veteranos acalmaram o “Kabunda” e passaram a me proteger. Ninguém mexia comigo. Belas recordações, tenho desta época. Lá fiz amigos e tive o prazer de ter tido aulas com grandes professores: Sylvio Sniecikovski, Théo Bub, Mariano Costa, Mário Moraes e tantos outros, que me mostraram os caminhos da engenharia e princípios de vida que trago até hoje. Uma das principais honrarias que tive em minha carreira foi ser alvo de reportagem no jornal da ETT, no quadro: “quem passa por aqui vai longe”. Acredito que neste momento me juntei a vários ex-alunos que são vencedores nas mais diversas áreas de atuação e que sentem o orgulho de terem vestido aquele uniforme marron-bege!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Viva a Gente

Aquela manhã de sexta-feira foi diferente. Fomos todos chamados ao pátio do Bonja (Colégio Bom Jesus) para assistir à apresentação de um coral de jovens alemães. 1967. O mês não lembro. O grupo veio ao Brasil e motivou jovens pelo país afora fazendo sucesso ao cantar e representar músicas proativas. Algumas os alemães cantaram com letras em Português. Naquela manhã, após a apresentação daqueles jovens, que empolgaram os joinvilenses ali reunidos, e de muitos destes terem aceitado o convite do grupo para subirem ao palco e cantarem juntos a música tema, nasceu o Viva a Gente Joinville. O grupo Sing Out Deutschland plantava aqui a sua semente que tinha como objetivo mobilizar a juventude sob o lema da “honestidade, pureza, altruísmo e amor”. “Viva a gente/ vocês poderão conhecer/ muito mais gente/ a melhor espécie de ser/ com mais gente a favor de gente/ em cada lar e nação/ haveria menos gente difícil e mais gente no coração.” As músicas cantadas e interpretadas pelo coral conclamavam ao trabalho de construção de um mundo melhor com respeito ao ser humano, ao próprio mundo e, ensinavam a conviver com a diversidade e com as diferenças. Falavam de responsabilidade, solidariedade e conclamavam os jovens à liderança com letras como: “faça de você alguém que vai decidir, pois nós aqui estamos juntos a construir”. Frases como: “água para quem tem sede, alento para quem tem dor”, levavam amor às pessoas, visando a construção de um mundo melhor. Não lembro como nos juntamos, mas lembro do Heron Pinga me convidando para irmos em um prédio, na Rua do Príncipe, onde a Biba ia ensiná-lo a tirar as músicas no violão. Eu não tocava nada, mas era parceiro. Daquele espaço, já com vários componentes, fomos ensaiar onde era a antiga fábrica da malharia Schmalz, na esquina da Alexandre Schlemm com a Rua São Paulo. O “Viva a Gente” Joinville apresentou-se em várias cidades, entre elas: Curitiba, Mafra e Tubarão com seus mais de 50 participantes e que, invariavelmente, eram aplaudidos de pé. O movimento/coral terminou no início dos anos 1970, quando grande parte de seus integrantes, assim como eu, partiram para outras cidades, em busca de seus cursos universitários, que ainda eram incipientes na nossa Joinville. Quando me encontro com alguns daqueles jovens, agora na sua maioria sessentões, conversamos com saudades e orgulho daqueles tempos e dos princípios do grupo que, sem dúvidas, foram levados pela grande maioria como base de vida.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pimenta Malagueta

“Cara, lembra do bar do Chico do Ernesto? Naquele tempo, no Bucarein, a gente chamava de venda, e vendia de tudo. Cimento a quilo (vinha da Alemanha em toneis), carvão, cigarro avulso, verdura, pão, linguiça, bebidas alcóolicas. O que se comprava era anotado na caderneta e o pai ia lá todo final de mês pagar a conta. Imagina isto hoje em dia. Eu adorava ir lá comprar e prá sacanear o seu Chico eu metia a mão em um abacate e fazia que apertava. O pito era imediato. Não aperta o abacate que isto não é peito, gritava ele”, comentou comigo o Orestes. “Pois é”, respondi. “Aquele bar era uma escola. Uma das coisas que eu admirava era ver o Chico do Ernesto e o Chico Apati, o húngaro, disputando para ver quem comia mais pimenta malagueta. Cara era coisa de louco. Dez, doze mastigadas sem fazer cara feia. E o Do Ernesto ainda nos dava aula: a pimenta faz bem. Acostumando com o sabor ardido, pode-se aproveitar das propriedades dela que impactam positivamente na nossa saúde. Talvez dai eu tenha adquirido o gosto por ela”. “Então Orestes, o Diego, meu filho, que cozinha lá pelas bandas de Sydney, veio passar uns dias de férias aqui em casa. Amparado em um diploma australiano de chef de cozinha, preparou pra mim um molho de pimenta perna de moça. No começo não botei fé. Me ensinar a comer pimenta, o pirralho? Brother, ficou de lamber os beiços, até pelo ardor. Foi o melhor molho de pimenta que provei nesta minha atribulada existência. Outro dia acabou e preparei outra porção, só que desta vez acrescentei malagueta. Ficou mais ardido, mas nem chegou perto no sabor”, concluí. “Faz sentido”, diz o Orestes. “A gente não acredita na piazada, mas nestas épocas de conhecimento compartilhado, eles nos superam fácil. Com estudo conhecem a arte de fazer dosagens, assim podem aprisionar com perfeição, numa garrafa, o aroma e o sabor picante das pimentas. Falando nelas, lembra do dia em que o Jonas mostrou ao Serginho como se comia uma. O sacana fingiu mastigar, engoliu e disse ao desconfiado alemão: põe na boca e mastiga. Não arde. Viste eu comer e está tudo bem. Este acreditando, mastigou e sai correndo em volta da casa com a boca aberta para pegar vento e ver se passava o ardor. Resultado: o Pai dele o levou no Sandu (SAMU, da época) pois o alemão não parava de chorar. O Jonas, que não era tolo nem nada, sumiu lá pra bandas do Portinho”.

terça-feira, 9 de julho de 2013

MANIFESTAÇÕES

“E ai Gordurinha, que tal as manifestações? O povo nas ruas?” “Pô Pirulito, como alguém já disse, não se engana todo mundo o tempo todo. O embuste está acabando. Até outro dia, alardeava-se que milhões tinham saído da linha de pobreza. Podia-se comprar carro sem imposto, casa, bolsa disto e daquilo, além do milagroso PAC. Empolgação pela copa e olimpíadas. Na ditadura tivemos o milagre econômico do governo Médici. Lembras? Havia o mesmo clima de ufanismo no governo e de euforia na população. Ninguém mais segura este país, era o slogan. O General Médici vangloriava-se do "milagre brasileiro" apontando-o como uma conquista do regime militar, assim como fazem hoje, os de esquerda em relação à economia. Porém, a fase de prosperidade tinha muito mais causas externas do que internas. Quando a situação econômica mundial mudou, o "milagre brasileiro” chegou ao fim e teve um custo social e econômico altíssimo para o Brasil. Parece que a história se repete e o povo está caindo na real. Milhões de insatisfeitos nas ruas, pois agora não temos o AI5 e a borracha da PM é mais macia que a do exército. Mas confesso que me veio à cabeça o Chaves com sua Revolução Bolivariana”. “Pois Gordura. A não ser que o exército apoie o governo instalado e não duvido. Acho que vontade da esquerda, em tomar o poder de vez, não falta!” “Pois então. Mas em 64 o exército teve o apoio do povo. Lembra do programa Ouro para o Brasil?” diz o Gordura. “Claro, a mãe mandou eu levar dois anéis de ouro e colocar na urna lá na praça Nereu Ramos. E eu fui, com 12 anos, todo orgulhoso em ajudar”. “Pois é. Hoje com esta roubalheira o ouro da dona Nilza não chegava na esquina! Me preocupa a falta de lideranças no movimento e, até onde consigo perceber, a falta de um objetivo claro. Lembra quando a gente ia caçar rolinha de schloida? Te dizia: mira em uma, pois se atirares a esmo vais matar a mais tola e fraquinha do bando.” “Claro que lembro. Eu era ruim de mira e nunca acertava nada!” “Então. Se o processo continuar só com a turba desfilando nas avenidas sem objetivo claro, a malta vai crescer e o movimento fugir do controle. Te pergunto: num crescente de vandalismo a coisa será manifestação ou terrorismo?” “Acho que terrorismo.” “Bom, daí o cassetete muda. Sai de cena o da PM e entra o do exército, pois é atribuição deste combater terrorismo. Para ser instalado um estado de exceção é um passo”. “Gordura, tu és um craque em lógica”. “Espero estar errado, mas sempre tenho comigo que entrar em briga é fácil. Difícil é sair com o sentimento de derrotado pois, isto, pode levar a atos extremos. Espero estar errado e que a democracia persista, senão vai sobrar para os mais tolos e fraquinhos!”

terça-feira, 11 de junho de 2013

IDENTIDADE

Outro dia, li no “AN” artigo de Jordi Castan sobre a identidade de Joinville. Em certo trecho, diz: “É esta falta de identidade que pode explicar por que hoje Joinville é uma cidade como tantas outras, amorfa, anódina, vagando no caminho sem volta de quem perdeu suas referências...”. Esta é uma afirmativa para se pensar e tentar entender o significado de cidade. Se formos à literatura, teremos definições das mais variadas amplitudes, mas fico com a de Kevin Lynch (“A Imagem da Cidade”, 1997), que diz: “A cidade não é construída para um indivíduo, mas para grande quantidade de pessoas, com origens variadas, com temperamentos diversos, de classes sociais e ocupações diferentes”. Depreendo daí que, sendo elas do tamanho e da forma que forem, são uma síntese real do pensar e do agir, em cada momento, de seus gestores e de seus habitantes. Sabe-se, também, que cada estrato social que a compõe tem a sua expectativa sobre a forma que a quer para viver, e não se pode ignorar no seu funcionamento que estes estratos formam uma sociedade contraditória, pois são diversos e desiguais econômica e culturalmente, criando impasses por seus pensamentos difusos, e há que se entender isso. Importante compreender, também, que a cidade é uma complexa rede de ideias e articulações políticas, econômicas e culturais, que orientam e regulam as pessoas que a compõem, sendo elas ali nascidas ou não. Então, ao definir a identidade da nossa cidade, temos que discernir estas evidências e os traumas causados pelas mudanças aceleradas dos últimos tempos, assim como a ruptura entre a experiência de viver, do passado e do presente. Joinville é uma realidade histórica e física ligada a todas as experiências que a envolvem: grande e rápido crescimento populacional miscigenado, forte fluxo econômico, disputas políticas com seus subterfúgios, conflitos e tensões sociais, problemas estruturais advindos do crescimento exacerbado, entre outros, e que não têm volta. Assim como cada um de nós, com nossas boas e más lembranças e experiências, a cidade sobrevive. Nós temos a felicidade de ter uma memória tecida mentalmente nas redes de relações que tivemos: políticas, sociais, culturais e simbólicas. Pelo crescimento e pela miscigenação, a cidade, com o passar do tempo, adquire novas formas. Por destino, cada um de nós leva em pensamento a identidade da sua Joinville. Ela, no entanto, estará em constante mutação e se reconstruindo. O que já foi, foi. Não retornará. O importante é tentarmos fazer por ela o melhor. E o que será o melhor?

terça-feira, 28 de maio de 2013

Bailão

Nós, de formação técnica, no meu caso engenharia, sempre temos reação negativa com cursos das áreas humanas. Afinal, de tanto provarmos teoremas e resolvermos derivadas e integrais, acabamos virando céticos em relação àquilo que, teoricamente, não se pode provar. Como deixei de lecionar na engenharia (onde, geralmente, se é duro e seco) e fui para a arquitetura (onde o perfil é outro), senti falta de algo a mais para me entender e relacionar com os alunos. Resolvi, então, fazer uma especialização em dinâmica de grupos. Foram dois anos, um final de semana por mês. No começo, foi difícil, uma vez que era muita psicologia e filosofia. Mas a turma era muito boa e de diferentes formações, o que me motivou. Por coincidência, um dos coordenadores também era engenheiro, só que mecânico. Como sou civil e tenho um irmão engenheiro mecânico, sacaneio dizendo que eles são míopes, pois nós enxergamos as coisas no máximo em centímetros e eles, em milímetros. Pior, agora em nanômetro. Portanto, muito mais céticos e quadrados que nós. A outra coordenadora era psicóloga. Um poço de conhecimento. Nas primeiras reuniões, confesso que foi difícil, pois era muita conversa. Não raro, visto ser um processo andragógico e não pedagógico, havia desabafo e catarse e, consequentemente, choradeira. Mas posso garantir que, ao final, foi muito bom e aconselho aos colegas engenheiros. Meu trabalho de conclusão foi em como a dança de salão influencia nos grupos da terceira idade. Para entender, tivemos que fazer pesquisas em vários bailões. Posso garantir que foram gratificantes estas inserções e que a dança e o relacionamento entre estas pessoas que, na maioria das vezes, são solitárias forçadas, trazem a elas novo sentido de vida. Não foram poucos que garantiram que deixaram até de tomar vários remédios e que faltar a estas reuniões grupais fazia-lhes muito mal. Outro dia, fazendo sauna no clube Sargentos, conversava com o Rosinha e com o Theóphanes, o pândego, quando este me disse: “Pô, Hans, tenho que ir ver o Binho na UTI. Vens comigo?” Compadecido, disse: “Vou”. E fomos. Distraído, nem vi onde ele me levava, quando parou na frente de um bailão de terceira idade. Perguntei: “Ué, o Binho não estava na UTI? Isto é um salão de baile”. Ele, soltando a peculiar gargalhada, me disse: “Não conheces o Binho? Chegado que é numa coroa, não sai aqui da UTI, ‘última tentativa dos idosos’, e, já que estamos aqui, vamos dançar!”.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Embuste

Embuste, por Anselmo Fábio de Moraes* “Pô, Pirulito, a coisa está feia”, diz o Gordurinha. “As notícias só mostram desgraça! Jovem morto por um celular; dentista queimada por trinta reais; ureia e formol no leite; condenados do mensalão sem punição. O repertório de crueldade não finda.” “Tens razão, Gordura. Parece que respeito, bondade, sabedoria, lealdade, honestidade, sinceridade, justiça e verdade são valores de gente otária. Aproveitando, te pergunto: quem é mais bandido: os que atearam fogo na dentista ou os que colocaram água e ureia, com formol, no leite, sabendo que são produtos cancerígenos? O guri que atirou no outro para roubar um celular para comprar droga ou os políticos do mensalão, que enchiam os bolsos com dinheiro da saúde e da educação? “Bro, não sei. A gente vê propaganda do governo dizendo que tirou milhões da miséria, que todo mundo está comendo bem, que oferece boas escolas e, ao mesmo tempo, crimes bárbaros continuam acontecendo. Me parece que estamos soçobrando na ganância. No lucro fácil. E o exemplo começa na política. Se olharmos para Brasília, veremos que no começo, além das boas-vindas, os do poder traziam-nos o sentido da liberdade, da paz, do desenvolvimento e até da riqueza. Com o tempo, se mostram tão ditadores como os que defenestraram. Roma despejava ouro aos camponeses quando apareciam focos de revolta, para domá-los. A meu ver, nosso país republicano vai na mesma linha. Mandos e desmandos, crimes, drogas, desvios e corrupção acontecendo. E cala-se o povo distribuindo bolsas. O império romano distribuía o que roubava dos países invadidos. Aqui os invadidos são os que produzem e pagam impostos. Mas tal lá como cá, quem faz pose de altruísta são os imperadores. Como se o que oferecem a eles pertencem!”, completa o Gordura. “Tens razão”, diz o Pirulito. “Pão e circo. Em Roma, fascinação pelos gladiadores. Aqui, pelo futebol. Apesar de que, agora, temos os UFCs da vida e os gladiadores voltaram. Ressurge a fascinação pela violência e pelo sofrimento. As arenas romanas produziam espetáculos mortais que, como uma droga, agradavam ao público e, ao mesmo tempo, desviavam o pensar da população dos verdadeiros problemas do império. O mesmo acontece por aqui. A violência está se enraizando e a ilusão das copas e olimpíadas iludindo o povo”.

Mercados públicos em todos os bairros

Mercados públicos em todos os bairros, por Anselmo Fábio de Moraes* As cidades crescem de fatos e feitos sonhados, vivenciados e realizados pelos seus cidadãos cotidianamente. Cada espaço é construído por ideias, sonhos, utopias e determinações cristalizados em realizações. Nestas criações estão os equipamentos urbanos comunitários, que atravessam os tempos e permitem determinar o sentido, a natureza e o modo de viver das pessoas em seus bairros e cidades. Para mim, um desses equipamentos são os mercados públicos. Os espaços internos e externos desses centros de comércio sempre serviram, além do comercializar, como local para o encontro e o congraçamento dos moradores de uma região, agrupando, sintonizando e direcionando as forças que se entrelaçam nas conversas, nos olhares e no toques cotidianos. Claro que a cidade não pode resistir ao novo, aos supermercados, aos shoppings, mas, na minha visão, deve resistir naquilo que é seu e que traz como capital adquirido: sua história, seu jeito de ser, suas atividades, suas diferenças, resumidamente, seu modo de viver. Com o crescimento de Joinville, surgiram bairros populosos, com estrutura e vida própria, que formaram a cidade dispersa. As cidades brasileiras não costumam levar mercados públicos para estas novas aglomerações humanas, o que se traduz, na minha visão, numa perda muito grande da identidade da própria cidade, pois não criando estes espaços para a sua população, perde-se um local de congraçamento e de autoconhecimento, ou mesmo o sentido de vizinhança, característica dos bairros, membros pulsantes das cidades. Deixam de ter o que este equipamento pode oferecer aos cidadãos, em termos de entrelaçamento social e serviços coletivos, que melhoram a qualidade da vida urbana. A criação de locais de comércio e encontro, em espaços atrativos e representativos, serve para a comunidade como elementos estruturantes socialmente, que orgulharão os moradores do bairro e os farão viver o ambiente com satisfação. Como estamos rediscutindo a cidade, que tal recriar o nosso espaço urbano, valorizando cada bairro com seu mercado público, que servirá, não só de fixação de atividades econômicas compatíveis com o tecido residencial, imprescindíveis para a manutenção da economia, mas também da preservação da cultura e da história de cada local.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Um milhão de habitantes

Quando se leem ou se escutam notícias referentes a equipamentos urbanos comunitários (saúde, lazer, segurança e educação), raras são as vezes em que a gente não se depara com reclamações, tanto em relação à quantidade quanto à qualidade. Tem-se, então, uma contradição a resolver, pois ao mesmo tempo em que se defende que todos tenham os mesmos direitos e igualdades de acesso aos equipamentos, a cidade estática não permite que tal aconteça. O que se vê é uma inadequação e falta destes equipamentos, não só no sentido quantitativo e qualitativo, mas, também, de localização. O que se infere, então, é que as gestões municipais (Executivo e Legislativo) não observam e não se planejam para as alterações decorrentes do crescimento dos municípios. Principalmente em relação à direção das expansões que, consequentemente, envolvem a ampliação do perímetro urbano, aumentando o custo da cidade. Está a Prefeitura, pelo que se acompanha nas notícias, em bom momento, deflagrando a discussão sobre a Joinville de um milhão de habitantes. Planejar a cidade para oferecer infraestrutura e equipamentos que concedam às pessoas qualidade de vida e bem-estar é algo premente. Entendo que a cidade deve buscar neste estudo iniciado, baseado em pesquisas, um meio ambiente mais abrangente e menos restritivo para todos. Este estudo que ora começa fatalmente passará pela definição das direções em que a cidade crescerá. Um exemplo, independentemente de gosto ou desejo, é a zona Sul, que, sabemos, crescerá fortemente, com a realidade da Universidade Federal e das novas indústrias, as nossas e as de Araquari. A sustentabilidade da cidade está ligada aos seus aspectos socioeconômicos, e para que ela aconteça, os gestores devem promover a igualdade e a integração social, assegurando-se de que a infraestrutura e os equipamentos urbanos comunitários estejam disponíveis para todos os cidadãos. O que não se pode é gerir e edificar a cidade excluindo-se partes de seus habitantes, o que me parece já acontece há muito com várias regiões da cidade que não têm acesso fácil a tudo o que esta oferece. Entendo que o objetivo final deste processo iniciado, mesmo que tenha nisto algo de utópico, seja eliminar as diferentes cidades que existem dentro da nossa cidade. Demorou, mas sempre é boa hora para começar. Planejar a cidade como um todo é garantir um bom futuro para a sua população.

terça-feira, 2 de abril de 2013

PASSADO E FUTURO

A cidade tem sido o local da transformação baseada na produção do conhecimento, pois é onde se encontram as universidades, os serviços e as indústrias. Ao mesmo tempo, é um espaço de construção de imagens, nossas lembranças, como se fossem criadas por um imenso alfabeto, com o qual se montam frases, que depois de executadas são difíceis de desmontar. Pode-se entender que a imagem que se tem do nosso local mantém um vínculo estreito com a cultura que sua sociedade produziu em um período e traduz, de certa maneira, as múltiplas formas de consciência da sua população. A rua do Príncipe dos anos 1960 ainda é, hoje, uma das fortes imagens da minha infância. A percorri, todos os dias, durante o tempo que durou meu curso ginasial. Conheci cada detalhe, com o olhar curioso da idade. Caminhava do Bucarein ao Bonja, todas as manhãs, ida e volta, olhando os DKWs da Douat, Sapataria Única, Salão Verde, Daniel Alfaiate das multidões, construção da Catedral, Foto Brasil, Clube Joinville, Farmácia Minâncora, Hotel Príncipe, o amarelo das Casas Pernambucanas, o chineque da Kibeleza e a estação rodoviária, na esquina com a Princesa Isabel. Imagens constituídas de realidade e não de imaginário. O tempo nesta época andava devagar, como a minha caminhada. A estética da rua do Príncipe apresentava uma autonomia cuja fonte era a inventividade dos nossos antepassados, mas que influía no meu imaginário e se diluía nas minhas subjetividades. Segundo Lefebvre, qualquer que seja o conteúdo histórico de uma cidade, esta deve ser entendida em três dimensões: artefato, campo de força e imagem, solidariamente interligadas. É artefato porque a sociedade que nela vive a constrói historicamente, produzindo-a com suas próprias características, dentro de toda complexidade advinda de seus diversos agentes sociais e através dos tempos. Nestes dias de discussão das leis que regulamentarão Joinville, pautar-se em um bom ordenamento do espaço urbano (locais de moradia, lazer, dos equipamentos comunitários e trabalho), preservando a história, é imprescindível, pois os reflexos serão sentidos pelos joinvilenses, que terão a oportunidade de viver em ambientes mais produtivos, salubres e acessíveis, tornando o cotidiano menos complicado e desgastante. Espero que os campos de força que se digladiam neste processo possam conjugar o verbo harmonizar e fazer da nossa Joinville um artefato, que traga aos meninos de hoje lembranças boas como as minhas, de ontem.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Pândego ou bruxo?

A palavra pândego se refere a uma pessoa engraçada, alegre e que gosta de brincadeiras. Theofanes, Théo para os próximos, é o verdadeiro pândego. Adora zoar. O Fabriano trabalha com a gente e andava meio amuado, pois tinha como decepção a impossibilidade de ser pai. Com sua mulher, vinha tentando o feito, sem solução. Certo dia, conversando com o Théo, explicou-lhe que precisava de muito dinheiro para fazer o tratamento de fertilização. O Théo lhe disse: “Sabias que o SUS já faz este tipo de tratamento de graça?” “Sim”, respondeu o Fabriano, “mas tenho que esperar três anos na fila”. “Isto é ruim, vou ver como posso te ajudar. Tenho uns amigos médicos”, disse-lhe o Théo. Tempos depois, voltou a conversar com o Fabriano, dizendo que realmente a coisa era difícil e que, pela medicina tradicional, ou pagava ou entrava na fila. No entanto, disse que estava estudando um livro antigo de sua mãe que tinha simpatias certeiras e, por certo, acharia a solução. 22 de dezembro, último dia antes do recesso, já que somos servidores públicos e temos esta benesse, o Théo disse ao Fabriano: “Tá aí, meu irmão. Benzi esta cueca preta de rendinha, especialmente para ti. Simpatia pesquisada no livro de mamãe. Esperei até dezembro para te dar, pois faz parte ela ser presente de Natal. Faça o que te digo, que não tem erro! Seguinte: no terceiro dia de lua cheia do mês de janeiro, meia-noite, colocas esta cueca e parte pra cima dela. Capricha no amor. E tem mais: podes escolher o sexo da criança. Se deixares a janela aberta, vai rachar com o vento. Será menina!” Falou sério e saiu. Ao nos contar, se diluía em gargalhadas, imaginando a fisionomia da esposa do Fabriano, vendo-o com aquela cueca ridícula. Em 27 de fevereiro, comemorávamos uma vitória, daquelas sofridas, mas que aqui não vem ao caso, quando ele recebeu um telefonema. De início me assustei, porque ele, assim como eu, que nasceu depois das seis da tarde, virou fantasma! Aliviado fiquei quando ele gargalhou e sentenciou ao interlocutor: “Não te disse? O livro de mamãe não falha! Parabéns”. “Era o Fabriano dizendo que a mulher está grávida. Hans, lembra da história da cueca e da simpatia que inventei? Agora o cara me diz que já não vai ter que pagar e nem entrar na fila do SUS. A mulher está grávida! Fui zoar e saí zoado! Pior é que ele pensa que sou bruxo!”, diz, pensativo.

terça-feira, 5 de março de 2013

Encontro

Fazia tempo que eu não via o Gordurinha. Num desses acasos da vida, vinha eu pela BR-101 Sul e parei em um posto de gasolina para fazer um pit stop. Dei de cara com o amigo matando um espeto corrido. “E aí, Gordura como andam as coisas”? “Beleza, brother! E contigo?” “Tudo t’ranks’”, respondi. Sentei e passei a almoçar com ele. Inevitável não começar o papo com assuntos fitoterápicos, já que a genética é a mesma e a herança, também. Pata-de-vaca, jambolão, pó de maracujá, de berinjela, batata Yacon, gengibre, semente de chia e afins, baseados na experiência adquirida, dia a dia, por dois sessentões com diabetes e prostatite e ávidos para trocar experiências. O assunto é primordial. É incrível como o pensamento da gente muda conforme o tempo vai passando. Quando se tinha vinte anos, quem tinha sessenta era velho. Quando se tem sessenta, a gente se sente um guri, e ancião é quem tem oitenta! Colocado em dia o receituário e as novas ervas para aliviar as neuras e a pressão das moléstias hereditárias, veio o segundo assunto, também inevitável. O terrorismo contra os ônibus. Papo vai, papo vem, chegamos na prisão dos advogados. Disse ele: “Viste o caso dos advogados? Não consigo entender como uns meninos com formação acadêmica, tendo uma carreira pela frente, entram numa fria dessas”. “Pois é”, respondi, “imagino ser pelo lucro fácil. O problema é que complicam a própria vida com a ganância”. “Cara, tudo bem que os caras queiram ganhar dinheiro fácil, para ter vida fácil. Mas ainda prefiro a filosofia do Chico do Ernesto: a ocasião só faz o furto. O ladrão já está feito há tempos! Fico, filosoficamente, dividido entre ganância e má índole. Entendo que sabiam do risco e que, se foram pegos, têm que pagar. Daí me impressiona, quando leio no jornal (“AN”, 22/2/2013) que o advogado presidente da OAB de Joinville foi até o Batalhão da Polícia Militar visitar as instalações onde os colegas de profissão estavam ‘alojados’ para ver se tinham condições para receber os seletos convidados e, pasme, se o local está dentro do que prevê o Estatuto da Ordem. Quer dizer, participar de crimes, tudo bem. Pagar igual aos outros, não. Uma pena, pois tiveram a chance de estudar, diferentemente dos outros presos, e não aproveitaram”. “É. Da para pensar. Até a próxima, bro!” Disse eu, me despedindo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Agora vai?

Depois de muita discussão, teimosia e energia perdida para a aprovação da Lei de Ordenamento Territorial (LOT) de Joinville, agora, segundo a imprensa, a nova discussão irá começar do zero, pois a Prefeitura de Joinville anunciou a retirada do projeto que está no Legislativo. A nova proposta só será reenviada à Câmara de Vereadores após a formação de um novo Conselho da Cidade, que a discutirá, pois o conselho antigo foi extinto no ano passado, após uma ação judicial, o que inviabilizou a análise da LOT e impediu sua votação pelos vereadores. A vida na cidade continua a ser um desafio para os seus moradores pelos conflitantes interesses que se apresentam, tanto por parte da população, quanto da gestão pública. Qualquer que seja o seu tamanho, a cidade é uma organização dinâmica, com suas diversificadas partes em permanente interação e transformação, principalmente causada pelo seu crescimento populacional desordenado, acentuado nas últimas décadas. Embora a lei 10.102, de 2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade, regulamente as exigências constitucionais que reúnem normas relativas à ação do poder público, na normatização do uso da propriedade urbana em prol do interesse público, do equilíbrio ambiental, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, ainda assim, as dificuldades existem na gestão e na execução desses princípios básicos, principalmente pelos jogos de interesses, tanto públicos, quanto privados. No município, o planejamento urbano que pode ser definido como o processo de produção, estruturação, organização e apropriação do espaço urbano com o objetivo de promover a melhoria da qualidade de vida da população, se concretiza por intermédio do Plano Diretor e de leis, como a do Ordenamento Territorial. Entender a necessidade e a importância destas ferramentas é essencial para se poder dimensionar a possibilidade de sucesso de uma gestão municipal na execução das políticas públicas. O que se tem visto são as más experiências em investimentos, financeiros e de tempo, na busca de instrumentos de planejamento e de regulação do espaço público, como no caso em discussão. Estas idas e vindas, pautadas em interesses e subterfúgios, levam a uma descrença na gestão pública e, no decorrer do tempo, faz a gente ficar em dúvida se o que era urgente não é mais. Esperamos que agora vá. Sem pressa. No tempo certo. E que se defina o que for melhor para a nossa cidade.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

De táxi

Nesta história de a lei ter ficado mais dura contra se tomar uns “gorós” e dirigir, o negócio é andar de táxi.Ao ler o jornal, vejo, de novo, a polêmica do “aluga ou compra” carros para os vereadores de Joinville. Como disse Arquimedes, “Eureka”: por que não se locomover de táxi? Se a Câmara comprar três carros para os serviços administrativos e viagens, já que todos devem ir ao trabalho por seus próprios meios, como qualquer funcionário público, os vereadores só precisariam de transporte durante o expediente, para algum trabalho fora da casa. Portanto, infiro que os carros alugados ficam parados na maior parte do tempo, mas custando aluguel ao erário, o que não tem lógica. O custo do táxi por quilômetro rodado, em Joinville, é de R$ 2,15 (pela bandeira 1). Daí, invocando minha condição de “velho chato” e engenheiro me arrisquei a fazer contas. Supondo que 30% dos vereadores tivessem reunião fora da Câmara todos os dias da semana e precisassem andar 30 quilômetros de táxi, para ir e vir à reunião, teríamos 30% de 19 – ou seja, 5,7 deles utilizando este modal de transporte. Esse grupo vezes 30 quilômetros daria 171 quilômetros por dia. Se os nossos edis trabalham 20 dias, por mês fariam 3.420 quilômetros por mês, o que custaria aos cofres públicos R$ 7.353,00 (bandeira 1). Por 11 meses, o mesmo período do contrato de aluguel significaria o custo de R$ 80.883,00. Melhor: já incluindo gasolina e limpeza dos carros. Pelas informações da imprensa, no ano passado o contrato anual com a empresa fornecedora da Câmara, para os 19 veículos, custou R$ 331.400 (não inclui gasolina e limpeza dos automóveis). Ainda segundo a imprensa, os automóveis alugados rodaram, em 2012, 292.600 quilômetros. Como a Câmara paga a gasolina, considerando que cada carro faz 13 quilômetros por litro em média, o gasto foi de 22.507 litros. Ao preço médio de R$ 2,60 o litro, tem-se uma despesa de R$ 58.518,00, que somado ao aluguel, dá um total de R$ 389.918,00. Subtraindo do que se gastaria com táxi, sobraria, apenas em 2012, a quantia de R$ 309.035,00. Caso dobrasse o custo com táxi, ainda sobrariam R$ 228.152,00 – o ônus da limpeza é uma incógnita. Claro que isto é uma elucubração, mas não uma utopia! Se realmente os carros são utilizados para reuniões, pesquisas, estudos e representações oficiais, e não para ficar à disposição dos vereadores, inclusive para transportá-los de casa ao trabalho e vice-versa, esta elucubração pode ser transformada em realidade. Joinville agradeceria!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Mentiras

Considero que a semana passada foi consagrada a trazer enganações à tona. Não consigo esquecer a cena da apresentadora americana de TV Oprah Winfrey perguntando se ele tinha tomado substâncias proibidas para melhorar o seu rendimento no ciclismo. “Sim”, foi a resposta. E, pela primeira vez, o mundo ouviu do próprio Lance Armstrong, já cansado de mentir, o reconhecimento de que era uma farsa. Neste momento, a imagem de um dos maiores atletas do ciclismo mundial se desfez instantaneamente. Sete Tours de France e medalha olímpica jogados no lixo. A outra grande enganação foi a história de o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, conceder passaporte diplomático ao líder de uma igreja evangélica e à mulher dele. A decisão foi publicada no “Diário Oficial” e, segundo o órgão, não é privilégio exclusivo deste pastor. Pelo que se lê nos jornais, a legislação que trata da posse de passaporte diplomático, um decreto de 2006, determina que apenas funcionários públicos em altos cargos ou em missões internacionais podem receber o documento. De um lado, o ciclista antes considerado o melhor e respeitado por ser exemplo de superação admitindo que era uma fraude. De outro, um órgão dito de credibilidade (salvo melhor juízo) burlando a legislação. Revelações como estas me fazem pensar que não tem como escapar: as mentiras estão impregnadas no cotidiano do ser humano. Sempre correlaciono a mentira com um ditado sobre roubo que o falecido Chico do Ernesto, dono de um famoso bar em Joinville, nos contava: “Esta história de que a ocasião faz o ladrão é falácia. A ocasião só faz o roubo. O ladrão já estava feito”, dizia ele. Daí digo: a ocasião só faz a mentira. O mentiroso já está feito, há muito! O ladrão não devolve o troco a mais que o caixa do supermercado lhe deu. Mesmo sabendo que o funcionário terá de pagar pelo erro, fica quieto. E ainda se acha esperto. Se tiver chance, rouba um banco. O mentiroso começa com mentirinhas inocentes que, teoricamente, não trazem consequências. Com o tempo, passa a contar mentiras de grandes dimensões. Descobertas, estas podem levar a um desfecho patético e humilhante, como ocorreu com Armstrong. Por mais idosos que sejamos, e consequentemente nos entendendo mais experientes, somos constantemente surpreendidos com mentiras. Penso, então, naquela história: morro e não vejo tudo! Ou será: vejo tudo e não morro?

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Natal de antanho

“E aí Pirulito, como estão as festas?”, disse o Gordurinha. “Brother, aqui na Itajuba, com esta canícula, só tomando um bom gole, estupidamente gelado. Não sou muito chegado em festas de fim de ano. Acho que tem muita falsidade. O camarada azucrina os outros durante o ano todo e quando chega esta época vira bonzinho. Culpa de Jesus que perdoou o tal do bom ladrão aos 45 do segundo tempo! Aí todo malvado pensa que será perdoado também”, responde o Pirulito. “Pois é”, diz o Gordura, “mas nestas datas a gente volta às origens. Lembra-se dos pais, avós, filhos, vizinhos. Parece-me que à medida que os momentos e os lugares da nossa infância se fixam cada vez menos na nossa memória, com mais profundidade e saudades, os procuramos. Apesar das coisas hoje se pautarem no consumismo, gosto desta época porque ainda consigo ver magia na feição das crianças quando enxergam um gajo vestido de Papai Noel”. “Então, Gordura, às vezes me frustro, por ver que nos dias de hoje, uma festa cristã sobrevive do paganismo, mas tenho que concordar que o comprar e vender tem como lado bom colocar comida na boca de quase todos.” “Não sei brother. Na nossa infância, estes momentos eram diferentes” retruca o Gordura. “Busco o passado e consigo lembrar-me de minha mãe enfeitando árvores naturais, não de plástico, com bolas de vidro coloridas, velas de verdade e uma nevasca de algodão. Ainda consigo ver isto e faço questão, acho que para exumar memórias e recuperar sonhos e afetos que hoje me fazem falta, como se neste processo surgisse uma fonte da juventude, para aplacar estes novos tempos de cabelos grisalhos.” “Pois a mim rejuvenesce o prazer da volta aos sabores e aromas daquele tempo. Transportam-me a uma infância de afetos e saudades. Hoje são outros tempos, mas ainda sinto o cheiro do Peru, criado no quintal, assando no forno de lenha, do gosto da gengibirra (refresco de gengibre) e das bolachas de melado, feitos pela vó Maria”, diz o Pirulito e emenda: “Lembra-te de ganhares brinquedos?” “Capaz”, respondeu o Gordura. “Isto era difícil! Às vezes, uma bola de borracha para os quatro irmãos. Mas uma camisa xadrez de chita e uma calça de tergal azul marinho, a gente sempre ganhava para ir, todo proza, à missa no dia 25 e, claro, usar o ano todo”. “Valeu Gordura, um bom 2013 pra ti”. “Te desejo o mesmo, Pirula!”