quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Creedence


Amsterdã, manhã de sábado, julho de 1996. A Summerfest bombando. Lá estava eu. Flanar pelas ruas desta cidade é um êxtase. Povo educado, gente de todas as tribos, cidade limpa. Museus, canais, barcos passeando do seu lado, bicicletas, transporte público impecável.

De repente, escutei acordes de guitarra e vi uns jovens, que formavam uma banda de rock, em um palco montado em uma esquina de calçadas amplas, onde começavam a se apinhar pessoas. Sem qualquer dúvida, me aproximei. A Summerfest é assim. Palcos em praças, ruas fechadas, calçadas, muitas pessoas e shows de todos os tipos. Inter-relação maravilhosa de pessoas e culturas.

Tanataratan, tanataratan, tantan. “Proud Mary”, do Creedence Clearwater Revival, foi a primeira música que a banda tocou. Aquele som, para quem teve a juventude embalada por Beatles e Creedence, foi mágico. Inesquecível. Cada vez que escuto “Proud Mary” volto em pensamento a Amsterdã.

Aqui em Joinville, a gente vivia nos anos ao redor de 1970, curtindo os Beatmakers. Os rocks, ao nosso alcance, eram extraídos da guitarra mágica do Bolinha e das guitarras e vozes do Dumke e do Marquinhos Bornholdt. John e Tom Fogerty, Stu Cook e Dough Clifford encarnados na musicalidade dos nossos meninos. Consigo ainda escutar “Born on the Bayou”, “Suzie Q, Travellin’ Band”, “Who’ll Stop the Raine Have You Ever Seen the Rain”, nas vozes do Marquinhos e do Dumke.

Pois em 2006, uma amiga, sabedora do meu fanatismo pelo Creedence, me disse: eles vão tocar na Promosul, em Tubarão. Eu, claro, duvidei, pois o John e o Tom Fogerty já tinham partido há muito tempo para o oriente eterno. Ela insistiu e comprou ingressos para mim e para a Albertina. No dia marcado, fomos. E lá estavam o baterista Doug e o contrabaixista Stu Cook, com Steve Gunner, John Tristao e Tal Morris, revivendo o Creedence. Em 1995, formaram o Revisited, para substituir o Revival. No início de novembro, por graça e obra de Sir Teophanes, fui vê-los de novo em Florianópolis. Os “velhinhos” estão cada vez melhores. Um showzaço.

Revivi Amsterdã. Revivi a Joinville dos meus 18 anos. Até escrevi um e-mail para o Pinga, meu irmão de juventude, para atiçar a memória dele e relembrarmos aqueles bons momentos vividos. Saudades da boa.

“Pedra Filosofal”


Antonio Gedeão, poeta português, escreveu, num momento de inspiração ímpar, “Pedra Filosofal”, poema no qual exprime que o sonho comanda a vida, uma verdade ligada à natureza humana.

“Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida, /que sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança / como bola colorida / entre as mãos de uma criança.”

Este poema por muito tempo embala a minha verdade e sempre tenho tentado viver a realidade, sonhando. Sonhar deve fazer parte do nosso dia a dia, porque viver sem sonhar é o mesmo que viver sem objetivo, sem almejar algo melhor.

Quem vive a sua cidade deve ter seus sonhos individuais, mas deve, também, ter o seu sonho coletivo. Um sonho único, múltiplo e compartilhado, que impulsione a comuna na direção da união de esforços, visando ao bem comum, por meio da harmonia e da realização pela perseverança e trabalho.

Na administração, se diz que a empresa (cidade) deve ter uma visão (sonho) dentro de seu planejamento e este deve estar associado a uma estratégia, que é a forma mais objetiva e tranquila de realizá-lo.

Tal como uma empresa vitoriosa, a nossa cidade tem que criar o seu “sonho” e a sua estratégia, fazendo com que as pessoas se mobilizem em prol da sua realização, respirando energia positiva e transpirando vontade para superar as dificuldades existentes, aumentando, assim, a sua autoestima.

Pensando nisso, fico me questionando: qual o sonho atual de Joinville e qual estratégia para realizá-lo?

A responsabilidade de criar o sonho e a estratégia é de quem administra a cidade (Executivo e Legislativo), afinal, foram eleitos para tal. Se ele já existe, não nos contaram, ainda.

A abrangência do sonho deve envolver toda a cidade, pois isto é determinante para que as pessoas se unam em torno dele, assim como o contrário, se o sonho for para satisfazer apenas alguns, as outras não irão aderir e muito menos dar de si, do seu melhor, para realizá-lo.

Todos nós conhecemos cidades de que gostamos de imediato e onde moraríamos sem pensar duas vezes e outras de que não gostamos nem de ouvir falar. Tal como as empresas, cidades que não têm visão e nem estratégia, não tem futuro. É isto que queremos?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

“Seu” Freitag


A maior parte das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que voar para buscar comida. Para a maioria, o importante não é voar, é comer. Para esta gaivota, contudo, o importante não era comer, era voar. “Antes de tudo o mais, Fernão Capelo Gaivota adora voar.” Este trecho das escritas de Richard Bach parabolizam a história de vida de algumas bem-fadadas pessoas, que passam por este mundo e não se contentam só em comer, mas, sim, em voar cada vez mais alto e melhor, dando exemplo e, principalmente, se doando ao bem comum.

Entre março de 1994 e dezembro de 1996, tive o privilégio de conviver e trabalhar com uma dessas pessoas. Conheci, trabalhei e convivi com o prefeito e com a pessoa de Wittich Freitag. Uma das fases inesquecíveis desta minha vida.

Sempre tive comigo que quando convivemos com um ídolo – e com as “ranhetices” do dia a dia –, passamos a perceber seus erros e acertos, e a vermos que “ele” não passa de um ser humano igual a nós e acabamos nos desiludindo.

No entanto, “seu” Freitag era múltiplo, gigantesco e de extraordinária lucidez. Suas orientações sempre me pareceram marcadas para o futuro e seus conceitos sempre traziam a força da sinceridade e da honradez. Mas o que mais me impressionava era que, como todo sábio, ele sabia pedir conselhos na hora da dúvida e acerca dos assuntos que não conhecia e, principalmente, sabia escutar e filtrar as boas das más opiniões.

Além das aulas de gabinete, adorava quando íamos ao recanto do Moppi, em Pirabeiraba, e lá, noite adentro, nas conversas informais, nos ensinava que devíamos nos dedicar com corpo e alma ao serviço público, apesar de sermos “cargos de confiança”, pensando no bem comum de todos e da cidade. Deixava transparecer nas falas que a gente deveria doar-se, enquanto servidor público, e não fazer do serviço uma sinecura, um bico, recebido de favor. Deveríamos absorver a oportunidade de aprender e servir, doando todo o nosso conhecimento e inteligência, com afinco e amor, à nossa gente e à nossa terra.

Este foi o “seu” Freitag que eu conheci, convivi e aprendi a admirar. Há dez anos, ele passou para o oriente eterno, mas será sempre um bom exemplo para mim e, espero, para as pessoas que têm a oportunidade de administrar a nossa amada Joinville.

Mentira


Falar a verdade ou contar mentira reflete comportamento verbal aprendidos e mantidos ao longo da vida. Os pais podem ser sérios, mas o filho pode ser mentiroso. O italiano Gepeto era sério. Pinóquio, mentiroso. A mentira sempre produz consequências tanto para aquele que a diz, quanto para quem a escuta. Assim, se um está sendo beneficiado ao contar uma mentira, o outro está sendo prejudicado. Parece-me que mentir sempre tem como objetivo levar vantagens.

É importante, ainda, considerar que o comportamento de mentir pode iludir os que acreditam, mas poderá trazer no futuro consequências desagradáveis, como no exemplo de um político que mente e assume compromissos que ele mesmo sabe que não será possível realizar. O interessante nas campanhas políticas é que a mentira já começa na imagem dos candidatos.

Venho observando os cartazes de propaganda eleitoral e fico impressionado com a modificação das fisionomias que nos são apresentadas. Candidatos que a gente conhece, assim como suas rugas, ficando lisinhos e rejuvenescidos nas mãos dos designers e no poder e na magia que o tal do fotoshop pode provocar. A transformação é brutal e na maioria das vezes a imagem vendida não tem nada a ver com o real, a ponto de nem serem por nós reconhecidos.

Fico me perguntando por que os candidatos têm a necessidade de parecer muito mais jovens do que são, sem rugas, com cabelos lisinhos e nariz desenhado. É uma pena vivermos em uma sociedade tão iludida, em que as pessoas nem se dão a oportunidade de ver seu próprio rosto com mais idade. Virou regra corrigir as imperfeições. Talvez por isto nos apresentem sempre candidatos com aspecto jovem.

O nosso semblante conta a nossa história de vida e acredito que esta deve ser respeitada. Apesar de termos a tecnologia a nosso favor, entendo que é preciso ter bom senso e não ficar passando a borracha em qualquer imperfeição que a idade nos traz, modificando tanto o rosto, a ponto de ficar sem identidade. Sabemos que a honestidade é a base de qualquer relacionamento humano. Se as pessoas candidatas começam uma campanha mentindo ao apresentarem uma fisionomia modificada, o que não farão com as palavras e no cargo, quando assumirem?

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Tempo antigo

María Durán, no livro “La Ciudad Compartida”, valoriza os cinco sentidos fundamentais: audição, olfato, paladar, tato e visão e o que eles nos propiciam no nosso relacionamento com o ambiente em que vivemos, fazendo o nosso corpo perceber o que está ao nosso redor, nos ajudando a sobreviver, se relacionar e guardar na memória estes relacionamentos.

Diz ela: “O paradigma histórico da cidade dos sentidos é a cidade islâmica, onde as correntes de ar, os fluxos de água, a cor do território e o aroma das plantas formam parte do desenho urbano”. Como tudo isto se traduz em qualidade de vida, Durán se questiona: “Por que não resgatá-los para as cidades contemporâneas?”

Ao ler este livro, levei os meus sentidos e os meus paradigmas históricos à minha juventude. Joinville em saudosismo puro, ao lembrar meus momentos de juventude nos anos 1970 e 1980.

Busquei na memória:

O cheiro do “chineque” da Padaria Brunkow; o gosto da cuca de banana da dona Olga Schroeder; o cheiro da sardinha frita feita pela vó Maria.

O prazer de colher um abacate na casa do tio Jango ou ingás-macaco na praça da biblioteca.

O sabor de um bate-papo, no Braço de Ouro, com o Galeno, Pinga, Juarez, Didi e muitos outros contemporâneos; da empada do Jerke, que sobrevive ao tempo; da vaca preta e da salada de fruta da Polar, depois de uma matinée no Cine Colon; de um cuba no Dietrich, até os garçons colocarem as cadeiras em cima da mesa para mostrar que iam fechar.

Do som dos Beatmakers, do coral Viva a Gente, das fanfarras no Sete de Setembro, das tardes no Cruzeiro, das “músicas caipiras” nos bailes de São João, do Ginástico, do Carnaval na Liga.

Da limpidez das águas do Cachoeira, de pescar corvinotas e siris no cais do Moinho.

De um América x Caxias;

De cortar o cabelo no Zé Ramos, comprar uma calça de tergal no Daniel, “o alfaiate das multidões”, um livro na Livraria Cosmos, uma Cibalena na Farmácia Iguaçu, uma camisa na Loja Pieper;

De viajar entre as orquídeas das Festas das Flores, de admirar a arquitetura das casas.

De comprar bombinhas no Tilp, carne no açougue dos Zimath, café Moka na Stein;

De jogar bilhar no Bar Caneta, de ver um jogo de basquete: Bom Jesus x 13° BI, no Abel Schulz lotado.

2 mil caracteres é pouco para minhas lembranças. E para as suas?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Desgosto

Encontrei o Gordurinha, outro dia, no Mercado Municipal.

– E daí, tudo beleza?

Ele respondeu: “Tudo. Vim aqui porque me deu vontade de comprar uma corvina pra fazer um escabeche”.

Achei-o meio desgostoso e perguntei o que se passava.

Então, ele me respondeu: “Feliz é o Vicente do Loló, que olha o jornal de cabeça pra baixo e que, por não saber ler, tudo está sempre bem. Vai eleição, vem eleição e as práticas não mudam. Mudam os políticos, mas, desgraçadamente, os maus exemplos continuam. Na maior cara de pau, transformam o pecado em virtude. Nesta época de eleição, me sinto um palhaço e com vontade de ir ao camelódromo comprar daqueles narizinhos vermelhos, que os do contra gostam de usar quando fazem passeatas e xingam os governantes de plantão”.

E continuou: “Nosso Estado é dos melhores; nosso povo ,pretensamente inteligente; e Joinville, diferenciada. Me da náusea ler no ‘A Notícia’: ‘Depois do comício, o carro presidencial será escoltado do Centro da cidade até o local onde estará o helicóptero. A ordem é que o veículo tenha trânsito livre em todos os cruzamentos no caminho. Chefes de segurança da Presidência também estiveram em Joinville na semana passada para planejar o esquema de proteção de Lula’. Se o presidente veio a Criciúma, com o avião presidencial, inaugurar um viaduto da BR-101 Sul (trecho inacabado) e dar uma ordem de serviço para uma obra em construção há mais de sete anos e depois foi a Itajaí inaugurar parte de obra no porto, obra esta que vai ficar pronta somente em janeiro, tudo bem. Nada mais justo que ele venha financiado e transportado com o bem público (avião presidencial), afinal, ele está trabalhando e não em campanha política”.

“Mas não posso concordar que, depois de Itajaí, o prestigiado venha a Joinville para participar de um comício e, ainda por cima, ter todas as honrarias de presidente. Da para entender o quanto custa isto? E nós que pagamos? Comício, até onde a minha inteligência permite entender, não é compromisso presidencial e, por não o ser, não pode ser financiado com o dinheiro do erário e nem o município dar privilégios.” Sábio Gordurinha.

Vou comprar um narizinho de palhaço para mim também.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sete de Setembro

Esta data sempre me reporta ao tempo do curso primário. Tinha orgulho de desfilar com o uniforme do Rui Barbosa pela avenida Getúlio Vargas, levando a bandeira do Brasil. As pessoas civicamente aplaudiam e a gente estufava o peito, pisava firme e ia em frente. Hoje sessentão, o encanto acabou, ainda mais, quando olho para este País afundado num mar de lama e barbaridades “republicanas”. Mensalões, aloprados, dinheiro em cueca, quebra de sigilos em instituições públicas sérias e tudo mais o que se tem visto.

Fico me perguntando sem conseguir respostas: o que mais será necessário acontecer para que um dia tenhamos líderes reconhecidamente honestos, trabalhadores e respeitáveis?

A decadência dos parâmetros éticos, peculiar nesta terra brasileira, e as relações de favor nos mostram um povo que ainda vive em um ínfimo processo de tomada de consciência, que nem ao menos serve para elevar seu nível de indignação. O que precisará acontecer para acabarmos com a despolitização e a descaracterização da prática política vigente?

Tenho assistido, persistente, ao programa eleitoral e vejo que poucos são aqueles que mostram o que verdadeiramente são e, agora, ainda temos candidatos que precisam de ventríloquo.

Como na Roma de César, o povo continua vivendo de pão e circo. Com tristeza, vejo que o nosso povo, com visão simplista e míope, ainda vota em quem lhe oferece comida, incentivando, assim, o sistema político vigente do coronelismo. Às vezes, me sinto o Joãozinho do passo certo. Todo mundo marcha para um lado e eu, para o outro. Entendo que para este País ser verdadeiramente independente é necessário que tenhamos capacidade de interpretar, refletir e julgar os fatos e os atos, livres de paixão e, digo com tristeza, pelo que se vê, ainda não temos.

Infelizmente, a nossa independência fundamentou-se no absolutismo e, como se sabe, vêm com ele a corrupção, a não-responsabilização, a exploração nos impostos e a concentração de poderes. O Brasil que comemora sua independência, a se manter o modelo político de coronelismo, continuará, por muitas gerações, um Estado absolutista. Apesar de as pesquisas mostrarem que o povo gosta deste estado, continuarei marchando no sentido contrário.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Discriminação


Em 2 de agosto, eu lia em “AN”: “Lara faz parte de um grupo de 115 adolescentes do Paranaguamirim que estudam em colégios particulares financiados por um projeto social. Ela conseguiu a bolsa na quinta série e tem se esforçado muito para não perdê-la. Os alunos têm de manter boas notas e comportamento. Rodar de ano é proibido. O período de adaptação pode ser difícil, pois, em geral, colégios particulares têm exigências e formas de convívio diferentes dos públicos”.

Na minha mente, passou um filme que me reportou a quando eu fazia a quarta série do primário no Grupo Escolar Rui Barbosa. No café daquela noite, minha mãe me disse: “Ano que vem, vais estudar no Colégio Bom Jesus!” E meu pai perguntou: “E como vamos pagar?” “Deixa comigo”, respondeu ela. No outro dia, ela disse: “Tá tudo certo. Acertei com a dona Anna Harger, diretora do Bom Jesus, e ela vai te dar uma bolsa. Vais fazer a admissão ao ginásio e, se passares em primeiro lugar, continua lá. A condição é esta: primeiro aluno da classe continua na escola”.

Para ensaiar, já fui o primeiro naquele ano no Rui e, ainda por cima, ganhei uma caderneta de poupança, daquele que foi único banco joinvilense: Casa Bancária Germano Stein. No outro ano, estava no Bonja, assim como em todos os anos do ginásio.

Outro dia, estava numa solenidade e, como reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), fui citado pelo cerimonial. Pouco depois, veio até mim um amigo de Joinville, que não via há tempos, e ficamos conversando. Após, chegou sua esposa e me disse: “Então tu és o Anselmo Moraes?” “Faz tempo”, respondi. Aí ela me disse: “Eu sei, estudamos juntos no Bonja e quero te dizer que tínhamos muita raiva de ti”. “Eu sempre soube”, disse, afinal de contas, eu era um guri pobre de bairro, estudando em escola de rico. Ela me respondeu: “Não era por isso, mas sim porque a dona Anna nunca te chamou de ‘joia’ nem te deu uma varada e ainda por cima só tiravas dez. O que pensar?”

Depois de mais de 40 anos achando que era discriminado por ser de bairro e classe social inferior, descobri que o era porque estudava quem nem maluco, para ser o melhor da classe e não perder a bolsa. Nesse dia, descobri mais um tipo de discriminação: a dos que não estudam em relação aos que estudam.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pedra-ume

Dia desses, conversava com meu amigo Clóvis Dobner, filho desta Joinville e dos melhores engenheiros que esta terra já produziu, sobre os dizeres, de muitos, que a única chance de mudar o Brasil é votar certo. Escolher a pessoa certa. Mostrei-lhe o quanto sou decepcionado e incrédulo quanto a este aspecto, pois os candidatos que nos apresentam a cada nova eleição são sempre nomes requentados e escolhidos pelo partido, ou seja, por eles mesmos e pelos “donos” destes. O sujeito se transforma em político profissional e vai de cargo em cargo até se aposentar.

A forma e o modelo da nossa estrutura política não nos dá muitas hipóteses. Não temos muitas escolhas e, ainda por cima, somos obrigados a votar. Para tentar não errar, temos que escolher o “menos pior” ou aquele que nos mostrou alguma coisa boa, e estes existem, no meu entender, mas são poucos.

Isso me desanima e me faz crer que só mudaremos este status quando for proibida a reeleição. Triste, estou entrando para a turma dos que votam em branco. Ele, então, dentro daquela sua irreverência habitual, me disse: “Tu, quando garoto, trabalhava no bar do teu pai. Eu, na Farmácia Dobner, ali na Visconde de Taunay, que era do meu. Naquela época, nos anos 1960, ali nas redondezas era a região de moças que rodavam as bolsinhas. À noite, na farmácia, apareciam as paradoxalmente chamadas de “mulheres de vida fácil”, que faziam ponto na rua Nove de Março, para comprar pedra-ume. Na curiosidade da minha juventude e no afã de conversar, perguntei um dia para a Aninha “Toda Pura”, uma das profissionais mais antigas e requisitadas da região: ‘Por que vocês compram tanto destas pedras?’ E ela me respondeu: ‘Oh, meu garoto, ainda és novito pra entender destas coisas. Nossos clientes sabem que somos rodadas e que estamos longe de sermos virgens, mas como a pedra-ume dá ‘uma colada’ no nosso produto de oferta, eles se satisfazem, mesmo sabendo que estão sendo enganados’”. Então, me disse: “Temos que fazer assim também. Não adianta não votar. Votemos e pensemos que os políticos são puros”.

Fiquei pensando na filosofada do meu amigo “maluco beleza” e resolvi uma coisa: vou continuar votando, mas pelo sim ou pelo não, vou tentar votar em candidato que me pareça não estar usando pedra-ume para me enganar.

Excêntrica, por Anselmo Fábio de Moraes*

Em “AN”, na coluna “AN Portal”, de Jefferson Saavedra, de 20/7, leio: “Entre tantos problemas que atrasam a conclusão do Parque do Boa Vista (lista longa, vai desde desvalorização cambial até chuvas) está a necessidade de mudança dos decks no final das trilhas, onde o pessoal pode ficar de observação. O solo não suporta estruturas de concreto. Terão que ser de metal, uns R$ 700 mil mais caros. Não há prazo definido para a conclusão das obras do maior parque programado com a grana do Fonplata.”

Sinceramente, não consigo acreditar no que leio. Ou o colunista se enganou ou tem algo errado com quem fez o projeto, com quem financiou, com quem autorizou, ou com quem está gerenciando a obra. Senão, vejamos: quando a gente faz uma gambiarra em casa, aquelas famosas emendas de meia-água, sem projeto, para não gastar, não pagar arquiteto e nem engenheiro, muito menos Crea, INSS e Prefeitura, a gente define as fundações fazendo uns furos de trado manual como sondagem (coisa empírica e que qualquer pedreiro sabe fazer).

Agora, uma obra pública de porte, de milhares de reais, licitada com dinheiro de financiadora internacional, com arquitetos e engenheiros, vir com a argumentação de que a obra vai atrasar porque o solo não suporta estrutura de concreto? Tem que ter alguma coisa errada.

Não é possível que os arquitetos tenham feito o projeto e que os engenheiros tenham dimensionado as estruturas e agora nesta fase final da obra se use como desculpa para o atraso que o solo não suporta a estrutura dos decks e que esta tenha que ser mudada para estrutura de aço. Desculpem-me a sinceridade, mas estão brincando com a engenharia e com a minha inteligência. O mínimo que se faz em uma obra qualquer e que vai receber uma estrutura é, antes de começar o projeto, fazer uma sondagem do solo. Esta de que o solo não suporta estrutura de concreto é no mínimo brincadeira.

Se a notícia é verídica, eu diria que a desculpa da vez é, em termos de engenharia, no mínimo excêntrica, para não dizer ridícula. Como diria o Lilo Boca D’Água, figura das melhores nascida ali no Bucarein: “Quem inventa uma desculpa dessas em ano de eleição mente até pra padre no confessionário”.

Passividade

Passar um tempo em Portugal foi para mim muito prazeroso. Um tempo de experiências em termos acadêmicos e de novas amizades. Porto é uma cidade musical e tem um dos melhores espaços do mundo para esta arte, a Casa da Música. Um edifício usado por dentro e por fora para apresentações musicais. Jamais esquecerei das lamúrias cantadas e dos acordes da viola portuguesa, dos belos fados. A política de Portugal é muito parecida com a nossa, apesar de eles parecerem mais brigões, mais incisivos. Fazem o mesmo jogo de cena. Apesar de o país fazer parte da zona Euro politicamente, o povão é igual ao nosso, passivo! Neste viver, entendi por que os políticos nos usam, nos jogam de um lado para o outro; por que levamos chutes todo o tempo e nunca nos revoltamos; por que aceitamos ver quem ontem era inimigo, acusava e ofendia ser hoje amigo, abraçados no mesmo palanque, como se o dito no passado não existisse. E não fazemos nada. Às vezes dizemos: na próxima eleição, voto em branco. Os políticos têm o dom da palavra. Do convencimento. E nós, iguais a torcedores de times de futebol, mesmo perdendo, continuamos com eles. Aceitamos os discursos e abraçamos as desculpas como verdades absolutas.

Outro dia, na reitoria da Universidade do Porto, atrás de panfletos de cursos, encontrei um que me deu a resposta. Era um convite para a Tertúlia Castelense, em Maia. Na contracapa estava escrito:

“O que mais nos admira neste país é a nossa perspectiva das coisas. Não é a falta de uma orientação política para o futuro, não é a indefinição de objetivos para trabalharmos para um bem comum e nacional. Não é a noção de justiça social ou de serviço público. Não é o constante adiar das diversas reformas na educação e na cultura, na justiça e na saúde, no Estado e na economia. Não é vivermos dois países, entre interior e litoral, ou o abismo na distribuição do rendimento. Não é o desequilíbrio entre o cidadão e o Estado, não é a irresponsabilidade entre quem elege e quem é eleito, não é a desconfiança por quem regula ou governa. É a forma como exercemos a democracia e, acima de tudo, a nossa passividade.” Lendo isto entendi muita coisa e, principalmente, lembrei de um ditado que aprendi quando pequeno: “A fruta nunca cai longe da árvore”.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Novos tempos

Em 1971, na primeira aula de física do curso de engenharia, conheci a régua de cálculo. Um mês de aulas para aprender a utilizá-la. Raiz quadrada, logaritmo e seno, obtínhamos como passe de mágica, sem precisar ir aos livros e tabelas. Conheci a primeira calculadora eletrônica, quatro operações, em 1973. Hoje, trinta e poucos anos depois, estes que eram instrumentos mágicos viraram “jurássicos”. Em termos de tempo do nosso mundo, três décadas são um segundo, mas que têm demonstrado estar em curso uma grande mudança no viver da população mundial.Outro dia, visitei o Museu da Música em Barcelona. Magnífico lugar com uma infinidade de instrumentos musicais e suas histórias. Mas o que mais me inebriou foi assistir a uma ópera, num teatro miniatura. A plateia: duas pessoas. Luzes iluminam o palco. Entram o tenor e a soprano. Cantam, representam, emocionam. As luzes se apagam. Os artistas deslizam palco afora. Tudo tão real, mas virtual. Que mágica é a informática. Os artistas estavam ali e não estavam. Paradoxo da telecomunicação. Lugares inteligentes onde o mundo físico e o digital se sobrepõem.Estes maravilhosos computadores, inimagináveis no meu tempo de estudante de engenharia, deixaram de ser uma simples tela e passaram a ter profundidade, extensão espacial e do nosso corpo, fazendo com que possamos olhar e ouvir o outro, distante milhares de quilômetros, como se estivesse junto de nós. Consegue fazer a gente estar em dois ambientes ao mesmo tempo, como o que passo agora vendo meu filho Diego, na Austrália, a cadeira que ele senta e a camiseta surrada que ele usa.Quem há 30 anos atrás poderia imaginar que esta rede, à qual estamos ligados, derrubaria barreiras físicas e distâncias? Abrem-se portas e janelas numa conexão inteligente que nos colocam em espaços fisicamente diferentes, mas no mesmo local. Do lado de cá da tela, um espaço; do outro, outro diferente, mas os dois no mesmo. Eu real e o outro virtual. Para o meu interlocutor é o oposto. Eu sou o virtual. Esta mágica está criando um novo contexto para o nosso fazer cotidiano e, pelo que se vê, é apenas o começo. Daí me pergunto: estamos prontos para viver em rede?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

MERCADO PÚBLICO

Nas minhas lembranças da infância vivida no Bucarein, vêm sempre imagens do mercado e do rio Cachoeira com sua água límpida, com as barcas transportando erva-mate, trigo e madeira, e o navio Catarina trazendo sal do Nordeste para a família Gern. Lembro das canoas dos pescadores, como a do Chico Budal, que vinha da ilha do Mel com peixes, bacucus e siris. Lembro do Donato, figura folclórica, com sua lata de azeite vazia, pedindo para ser enchida com comida. Das formosas cerejeiras na praça.Recordo das tantas e tantas vezes que fui comprar sardinha para meu pai fritar e vender no bar, onde os estivadores degustavam com copos de Jabiru e Colonial, cachaças da época e cerveja faixa azul. Havia alma naquele mercado. Havia simbiose entre as pessoas e aquele espaço público.Um dia, transvestiu-se em estilo germânico e a população não relutou em senti-lo ainda mais como seu, apesar do novo formato. Passou a ser mais completo, pois investiu na gastronomia e virou espaço de representação de artes, melhorando a sua participação e função no tecido urbano. Virou ponto de encontro aos sábados. O canto do nosso sambista maior, Bêra, “bombou”, como diz a rapaziada.Estive lá outro dia para reencontrar alguns amigos apaixonados por música, como o Robson Belo. Para minha frustração, não o encontrei e nem a muitos outros. E, pior, fiquei preocupado com o ar de abandono. Será que é tão difícil fazer um banheiro decente para as pessoas utilizarem sem precisarem passar pelo constrangimento de usar as péssimas instalações existentes? Será que é tão complicado dar uma oxigenada naquele espaço lúdico? Será que vamos deixar morrer este símbolo da cidade?Joinville precisa reinventar o seu mercado e fazer mais alguns nos bairros, fomentando estes que são locais de comércio, mas, antes de tudo, de convivência, de encontros. O poder público precisa dar ao nosso mercado uma roupagem mais moderna no espaço interno, e no externo colocar bancos, lixeiras, bebedouros, playground, internet gratuita, só para exemplificar, que dariam nova vida a este símbolo, reestruturando-o e adequando-o aos tempos atuais, e fariam deste espaço mais uma opção agradável às famílias joinvilenses e aos turistas.

Bibliotecas

Em “AN” de 3/5, lemos: Joinville tem o menor número de bibliotecas para cada 100 mil habitantes no Estado, aponta censo do MinC. Duas bibliotecas públicas para atender a 500 mil pessoas. “Temos uma proposta de ampliação da Rolf Colin. Mas não queremos fazer dela um elefante branco”, diz a coordenadora das bibliotecas públicas joinvilenses.Precisamos entender que, hoje, estes equipamentos públicos não são simples repositórios de livros. São espaços híbridos abrangentes com CDs, DVDs, revistas, jornais e livros. Devem funcionar como equipamentos que propiciem acesso às informações e que ajudem no desenvolvimento da sociedade.Nós, seres humanos, precisamos do discernimento, da percepção. Sem isso, não sabemos o que somos, de onde viemos e nem imaginamos para onde iremos. Quanto mais uma pessoa se informa, mais ela viaja mentalmente e mais aguça a sua capacidade de enxergar e compreender tudo que está acontecendo à sua volta. Desde o início da civilização, as viagens, as discussões e a leitura são a base do conhecimento.Os livros antes e, agora, todos os sistemas de informações são companheiros da humanidade na sua solidão e funcionam como mensageiros do tempo e do espaço. Podem sensibilizar pessoas e mudar vidas, pois levam a viagens virtuais não só compartilhando experiências e visões, mas também sensações e sentimentos. O conhecimento adquirido pela informação torna o ser humano mais nobre, mais arguto, mais sábio e lhe dá a condição de ver o mundo como ele realmente é!Além disso, as bibliotecas devem ser vistas, também, como locais de encontros, de discussões, de procuras. A magia do silêncio das bibliotecas é propícia, assim como é a dos santuários, à paz de espírito e à inspiração. Local para se encher a alma de ânimo e prosseguir incentivando na luta contra as sinuosidades da vida. Joinville precisa recuperar o tempo perdido fazendo uma inflexão na sua linha de atuação em relação a estes equipamentos, desenvolvendo um plano de implantação para a cidade como um todo, colocando bibliotecas perto das pessoas, em todos os bairros, por meio de uma rede interligada. Bibliotecas nunca serão “elefantes brancos” se forem bem administradas, atrativas e atualizadas.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Oligarquia

“Forma de governo em que o poder está nas mãos de um pequeno grupo de indivíduos ou de poucas famílias” (Michaelis-UOL). Desde cedo, tenho convivido com críticas às oligarquias brasileiras, feitas por políticos que as abominavam, principalmente quando não tinham o poder. Apesar das críticas, vemos no País diversos exemplos de marido, mulher e filhos ocupando cargos públicos, eleitos pelo voto popular.Em Santa Catarina não é diferente, sendo que os que vociferavam ontem tentam hoje formar a sua, rasgando seus discursos. Presumem e, na maioria das vezes, conseguem que as pessoas votem na mulher ou no filho indicado. Não importa a capacidade, importa é manter a família no sistema, apesar de afirmarem que a vida de político é um sacrifício.Se o é, por que colocar seus entes amados, mulher ou filho, nesta vida? O sobrenome neste nosso Brasil contemporâneo é sinal de perenidade nos cargos, como são no regime de monarquia hereditária, ou seja, aquela em que, quando morto o soberano, o poder e o espólio se transmitem aos parentes hierarquizados.É como se o patriarca neste nosso regime replubicano falasse à mulher ou filho: “Como agora estou eleito para outro cargo, tens que ir para o sacrifício e aproveitar o espaço que deixei naquela vaga, que era minha. Transferirei para ti os meus votos, pelos meus inúmeros feitos e, principalmente, pelo teu sobrenome, que é, também, o meu”. Isto também acontece na música brasileira.Cantores de mérito enfiando por nossos ouvidos adentro, pela massificação da televisão e rádio, seus filhos sem méritos, por meio de programas populares que fazem a cabeça do nosso povão. Enquanto milhares de bons músicos ficam tocando pelos barzinhos da vida, sem terem sua arte reconhecida. O mesmo acontece com milhares de pessoas honestas e de bons costumes que nunca chegarão a assumir um cargo público, até porque, para candidatar-se a uma eleição, o mortal comum tem que ter o aval dos ínclitos caciques, que preferem mandar para o sacrifício do cargo eletivo um dos seus.Fico esperando que um estudioso do assunto me explique por que todas as pessoas e não só as pautadas na irreflexão votam nos ditos herdeiros políticos. Há muito tempo já decidi: se for parente, estou fora!

Mercados públicos

Normalmente, são equipamentos agradáveis e de visibilidade por serem ambientes de relacionamentos. Fazem partes do início das cidades e das tradições comerciais. Infelizmente, no Brasil, devido às mudanças de hábitos e da formação de um novo comercializar e viver da sociedade, foi-se deixando de lado estes equipamentos precursores das relações comerciais.Cidades como Estocolmo, Barcelona e Porto preservam e reforçam estes equipamentos, reconhecendo seus valores. Poucas cidades brasileiras os mantêm em bom nível, ainda hoje, como símbolos da população e como pontos turísticos, entre elas: Porto Alegre, Florianópolis e São Paulo. Estas cidades souberam dar uma nova dinâmica aos mercados públicos.No entanto, em muitas outras estes se mostram depauperados e perderam as suas identidades e funções. Os mercados públicos funcionaram e funcionam como espaços de atração no âmbito urbano, por meio dos envolvimentos comerciais e de lazer da população e por se localizarem, na maioria das vezes, em pontos estratégicos das cidades. No século passado, eram neles e no seu entorno que acontecia tudo de importante para os cidadãos.Além da presença física, da localização e de suas atratividades, os mercados têm valores sociais agregados que fazem deles lugares de relacionamentos de valor incalculável. Como um equipamento urbano comunitário, é um símbolo de identificação da cidade e de seu povo.Meus pensamentos de criança lembram do de Joinville. Vivo e ativo, com seu estilo futurista à época, e lembro de meu pai contando que antes da primeira reforma tinha portas em arcos. Outro dia, li num site que o nosso mercado é camaleão. Mudou com o tempo. Em estado de decadência, na década dos anos 1980, enxaimelizou-se. Voltou a ser dinâmico. Movimentado. Fui lá outro dia e já não está mais com a corda toda. Está ficando devagar. Meio abandonado. Sem atrativos.Que tal dar uma nova “camaleada”, ampliando espaços, construindo sanitários de shopping, mudando o visual? Voltar a ser um espaço agradável, comercialmente forte e culturalmente ativo. A cidade agradeceria.

Flanar

Flanar, passear sem destino, por mera distração. Entre 1962 e 66, eu e o Nelson S. Lima, o Juca, caminhávamos todas as manhãs (às seis de ida e ao meio-dia de volta) do bar do Chico do Ernesto (av. Procópio Gomes com rua Plácido Olímpio de Oliveira) até o Colégio Bom Jesus. Fizemos o curso de admissão ao ginásio e depois este, naquele educandário. Bons tempos em que dois guris de dez anos de idade, sozinhos, caminhavam pelos 5 km que separam aqueles pontos geográficos.Íamos pela rua São Paulo, passando pela Vogelsanger, casa Willy, a ponte do rio Jaguarão, a Stoll, a Marquardt. Na Ministro Calógeras, parávamos na vitrine dos Móveis Cimo. Discutíamos como podiam fazer aqueles encostos curvos nas cadeiras. A seguir, a rua do Príncipe: Sorveteria do Vigando, as “Vemaguets” da Douat, a Sapataria Única, o Salão Verde, o Daniel, alfaiate das multidões. A catedral, construída pela Construtora Marna (eu dizia pro Juca: um dia, serei engenheiro) demorou, mas saiu. A seguir: o Clube Joinville (sabiamente restaurado).Em frente, tinha o Foto Brasil. Uma das construções mais bonitas de Joinville, transformada numa pastelaria. Até aí, tudo bem, mas trocar aquelas belas esquadrias de madeira por porta de rolo de ferro é de doer. Depois, a rua das Palmeiras (quando dava tempo, a gente ia correndo ver as palmeiras gêmeas), a Minâncora, o Hotel Príncipe, bela obra de arte que continua abandonada, e a Padaria Kibeleza.Voltávamos pela praça da biblioteca, pois tinha lá dois enormes pés de ingá-macaco, que na época certa saboreávamos. Às vezes, tinha entrevero entre alunos e a praça ficava cheia, já que ali é que se davam as contendas. Hoje, são outras épocas. Já não se veem crianças sozinhas com uniforme do Bonja por aquelas ruas. Muitas destas obras-primas da arquitetura dos nossos precursores ainda resistem nestes trajetos. Malcuidadas, descaracterizadas, esperando o tempo e a falta de sensibilidade dizimá-las de vez.Caminho às vezes por este mesmo roteiro. Não mudou muito. O que mudou foi pra pior. Que pena não preservarmos o que foi feito com esmero pelos nossos antepassados. Garanto que naquela época, apesar de termos destino e da pouca idade, tínhamos prazer em flanar por aquelas belas ruas.

Pensar pequeno

Desde cedo, escutei o Chico do Ernesto falar que nós somos do tamanho do nosso pensamento. Portanto, quem pensa pequeno, pequeno é! Imagino Joinville no topo. Uma Barcelona! Com uma biblioteca, um mercado, uma academia e um pronto-atendimento, equipamentos públicos essenciais, em cada bairro. Escolas para as crianças em horários normais e elas não precisando andar mais de 600 metros com segurança no ir e vir.Pessoas caminhando pelas calçadas arborizadas apreciando buskers. Idosos sentados e conversando nos bancos dessas calçadas e das praças; bebedouros para os com sede; ciclovias e transporte público de verdade com preço justo, limpo e no horário. Pensada, democrática e, principalmente, planejada! Joinville teve diversos prefeitos, mas, infelizmente, a gente lembra de poucos. Ottokar Doerffel, João Colin, Baltazar Buschle, Nilson Bender, Pedro Ivo, Wittich Freitag, Luiz Henrique. Pessoas que, no meu entender estiveram, em pensamentos e atos, na frente dos outros. Marcaram suas passagens. Deixaram legados. Pensaram grande! Onde quero chegar? Quero chegar na minha desilusão, desconforto e desassossego quando leio em “A Notícia” texto sobre a inauguração de semáforo.“Abbey Road no Vila Nova” ( “AN Portal”, 13/3). “Em pose semelhante à famosa capa do disco ‘Abbey Road’, dos Beatles, o prefeito Carlito Merss; o presidente da Conurb, Tufi Michreff; e o vereador Jucélio Girardi cruzam esquina onde a Prefeitura de Joinville inaugurou semáforo ontem, no bairro Vila Nova. É, tem solenidade de inauguração de semáforos, agora”.Inaugurar semáforo já é um despautério. Agora, comparar o andar do prefeito e de seu séquito aos legendários, inesquecíveis e intermináveis Beatles, atravessando Abbey Road, com suas impecáveis sinalizações e totalmente arborizada é de doer. Fiquei nauseabundo. Perplexo! Pobre Joinville, inaugurando semáforos e pobres de nós, pagando a publicidade deste ato infeliz com o dinheirinho suado dos impostos da vida. Tanto tempo perdido, tanto desejo de chegar ao paço municipal, de gerir esta que é a maior cidade do Estado, para isto? Como diria um jovem qualquer: ninguém merece!

Árvores

Por que árvores nas áreas urbanas? Respondem os especialistas: porque esteticamente embelezam e amenizam a aridez do ambiente construído; dão guarida aos pássaros e outros animais, ajudando a conservar a biodiversidade; amenizam o clima, diminuem a insolação direta e o efeito térmico; diminuem a poluição sonora; absorvem partículas e gases presentes no ar, removendo dióxido de carbono e produzindo oxigênio; facilitam a infiltração de água no solo, reduzindo o impacto causado pelas chuvas; absorvem a água do solo, que volta à atmosfera pela transpiração das folhas, originando partículas necessárias para a formação de nuvens.Deu em “AN” de 26/2: “Celesc corta 48 árvores. Fundema poderá multar”. “Quando desci para ver o que acontecia, eles já estavam cortando a última”, diz a moradora da rua Itaiópolis e que ao questionar recebeu como resposta: “A orientação da Celesc era liquidar as árvores”. “Não há justificativa técnica para o corte, até porque eram de pequeno porte e não representavam ameaça”, afirma o gerente de áreas verdes da Fundema. Já o da Celesc defende: “As árvores foram cortadas porque ofereciam riscos aos pedestres e à rede elétrica”.Parece que os gestores e nós mesmos, muitas vezes, vemos as árvores como uma coisa ruim. Um empecilho que só serve para prejudicar as calçadas com as raízes, os fios de eletrificação com os galhos e sujar as ruas com as folhas que caem. Está se transformando as árvores em vilãs. Tudo de bom que ela oferece não vale nada quando comparada aos pequenos incômodos que apresentam e, na maioria das vezes, causados por quem deveria plantá-las e podá-las corretamente. Mas isto gera custo e dá trabalho, então, é mais fácil liquidá-las, mesmo que a cidade se transforme em um lugar árido, poluído, quente, sem pássaros, sem flores e sem graça.Enquanto as boas cidades para se viver enterram os fios e plantam mais árvores, nós enchemos as calçadas de postes de concreto e cortamos as poucas que temos.Ainda não se entendeu para que elas servem e, por isso, é tratada como um elemento prejudicial ao ambiente urbano. Pobre Joinville, com a sensibilidade de quem a administra. E quando o órgão competente (Fundema) fica sujeito ao órgão concessionário (Celesc), lembro do Chico do Ernesto, é o poste urinando no cachorro!

Tonico

Sempre que eu o encontrava, cantarolava: “Antonico, vou te pedir um favor, que só depende da tua boa vontade, é necessário uma vibração pro Nestor, que está passando por grandes dificuldades”. Com aquela calma peculiar, dava um sorriso e me dizia: “Só tu mesmo pra lembrar deste samba antigo”.Daí o assunto passava a ser a inquebrantável dona Herondina. Todos somos de carne e osso, mas parece que ela é feita de um material superior. Eu, guri do Bucarein, nos anos 1960, e ela já professora. Passei a minha infância pelas ruas do bairro com meus amigos de peraltices e uma delas era jogar futebol no campo do Colégio Rui Barbosa aos sábados à tarde. Muitas vezes, saímos dali corridos, pois não era permitido usar o campo e, por azar nosso, ele ficava em frente à casa dela.Em 1970, o Zé Carlinho e eu moramos em Curitiba na pensão do Beco do Mijo, com o Zequinha e o Juca. Fizemos o 3° científico no Colégio Estadual do Paraná e o cursinho Dom Bosco, com o sonho de sermos engenheiros. E todos somos. Dividíamos os quartos com o Odil Cota e o Zhéa Zattar, estudantes de direito e bioquímica, respectivamente. Fiz engenharia em Piracicaba e ele, em Curitiba.Em 1976, formados, voltamos para Joinville. Unimo-nos em 1978 com o Tonico, recém-formado, e com o Beto Campos. Fizemos aquela que foi uma das maiores construtoras que Joinville já teve, a Habit. Daí veio a política na vida do Zé, a Udesc na minha e acabamos seguindo cada um a sua vida. O Tonico, mais novo que nós, sempre foi o nosso projetista. Sensível e calmo, não tinha o perfil de obreiro, de sujar o pé no concreto. Mas tinha uma bela mão para riscar com tinta nanquim em papel vegetal.Quando começamos, não existia computador. Fez uma bela carreira e aos 40 anos o Grande Arquiteto, lá de cima, mandou um aviso. Daí em diante se cuidou, mas agora foi pego de surpresa num dos locais que mais gostava: a praia de Barra Velha. Partiu em um domingo de sol deixando seus amigos chocados e tristes pelo ocorrido.Fica a imagem da pessoa calma e cordata, com a qual dividi muitas horas da minha vida estudando e definindo projetos. A dona Herondina continua. Espero que firme e forte com mais esta provação. Estava longe de Joinville e não pude dar o meu abraço nela e nem meu adeus ao amigo. Espero que ela, do alto da sua vivência e sabedoria, supere mais esta dor e continue entre nós com a garra que sempre teve.

Liga de Sociedades

Terça feira à tarde era de Carnaval na Liga de Sociedades. O Carnaval de Joinville sempre foi o Carnaval de salão. Floresta e Alvorada, entre outros salões, faziam a alegria dos foliões. No entanto, para nós, do Centro expandido (dos bairros circundantes ao Centro), Carnaval era na Liga.Nós, jovens das décadas de 1960 e 1970, nas terças de Carnaval, à tarde, estávamos todos lá. Começava às 15 horas e ia até as 20 horas. Na chegada, a primeira visão: Martinóviski, o porteiro mais conhecido da cidade e por muitos anos. Passada a entrada, era se posicionar.A bandinha da Liga começava e as marchinhas deixavam todos em êxtase. “Tanto riso ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...”, e sempre um gaiato emendava: tirando eu! As meninas e os namorados rapidamente começavam a dançar e a desfilar dando voltas no salão, rodando ao redor de um ponto imaginário. As meninas mais para o lado de fora e os namorados, antigos e os ali iniciados, mais para o meio do salão, onde a volta era mais lenta e mais longe dos olhares cuidadosos de mães e irmãos mais velhos.Os rapazes iam se aboletando ao redor do perímetro do círculo e ali ficavam trocando olhares com aquelas que lhes eram as favoritas. Uma, duas, três voltas e arriscavam um sorrisinho, para ver se eram correspondidos e para criar coragem e entrar no salão arriscando um pegar na mão da menina e participar do desfile no circuito. “Bandeira branca, amor, eu quero paz...”, e lá se iam até a bandinha parar para descansar. Todos saíam do salão. As meninas, para suas mesas, os que começavam a namorar, timidamente, ficavam juntos e os outros meninos voltavam para suas turmas.“Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é...”. Era a volta da bandinha e começava tudo de novo. Hoje é terça. Será que tem Carnaval na Liga? Será que os nossos jovens passarão por aquela experiência, de gerações, proporcionada pelo nosso Carnaval de salão? E você lembrou daquele tempo? Eu lembrei e, de certeza, senti saudades dos olhares, do pegar na mão e do rodar em volta do salão. “Este ano, não vai ser igual àquele que passou, eu não brinquei, você também não brincou. Aquela fantasia que eu...”

Planos

Eu: Joinville está impraticável. Juca: é falta de planejamento! Eu: Por que não planejamos? Por que só ficamos resolvendo o miúdo e correndo atrás do prejuízo? Ele: É a lógica do político para ser mais reconhecido. A velha história de vender dificuldades para colher facilidades. Dizem até que um ex-prefeito mandava abrir buracos na rua São Paulo, quando tinha jogo do JEC, só para atrapalhar o trânsito. O povo passava, chiava, mas dizia: este prefeito trabalha! Daí me questiono: por que nestes últimos anos não se fizeram planos para fornecer à cidade qualidade de vida? Discute-se o corte de árvores e não um plano de plantação, que vise à melhoria da qualidade do ar, a diminuição de temperatura e embelezamento.Perdem-se tempo e dinheiro discutindo-se a alteração de uso de ocupação do solo de uma rua, em vez de estudar e definir os usos em toda a cidade, com clareza e respeito à cultura e aos objetivos da população e não somente interesses financeiros de grupos organizados.Discutem-se canaletas para ônibus em vez de um plano de mobilidade que envolva os tipos e matrizes de transportes para a cidade como um todo. Discutem-se as enchentes e não um plano de captação e armazenamento das águas das chuvas; discutem-se um posto de saúde, uma escola, um parque, sempre baseado na pressão popular ou de vereadores, em vez de se fazer um plano geral de equipamentos urbanos, levando em conta as tendências de crescimento, normas e padrões definidos. Boas cidades fizeram seus projetos urbanos baseados em planos e, no entanto, ao invés de nos espelharmos nelas, ficamos burramente resolvendo a ranhetice do dia a dia. Por que, se nossa cidade é repleta de pessoas hábeis, no serviço público e no privado, não temos competência para gerar um bom projeto urbano, embasado em planos específicos, que resolvam de vez os problemas recorrentes?Se quisermos ter futuro como cidade, chegou a hora de parar, pensar e arregaçar as mangas. Fazer uma radiografia da herança recebida e gerar planos específicos que sirvam de base para melhorar a cidade que teremos pela frente. Projeto que reflita a inteligência do nosso povo e não o tamanho do pensamento de quem não pensa.

Que se passa?

Os espanhóis, quando têm dúvidas, utilizam a expressão: “¿Que pasa, hombre?” Pensando em tudo que vi em 2009 e após vários debates comigo mesmo e com amigos, pautados em dúvidas sobre urbanismo, planejamento, política e ética, resolvi elaborar uma lista das notícias mais recorrentes que estiveram na nossa imprensa para me ajudar a entender o que se passa em Joinville.A pretensão é apenas fazer um balanço passando um olhar sobre as notícias (releitura) do ano. Baseado em “AN”, listo algumas: Joinville tem prazo para melhorar a saúde; São José sem alvará de funcionamento; 43 mil na fila do SUS; Infraero projeta expansão do aeroporto; voos noturnos cancelados; eixo ligando UFSC-Univille/Udesc; Eixo Norte-Sul não tem previsão de execução; quatro parques até o fim do ano; nenhum parque entregue em 2009; prefeito: dívidas são de R$ 100 milhões; Prefeitura precisa de tempo para fechar o balanço; Câmara cria CPI das Contas; o TC/SC diz que a dívida é de R$ 13 milhões e a CPI não diz nada; e empresas de ônibus pedem aumento.E segue: Prefeitura cria blog; PP/PT, teatro e rompimento; continua turno intermediário nas escolas; nepotismo na Prefeitura; construção/acelerador linear vira novela; figueiras da Beira-rio ameaçadas; árvores da rua 15 são cortadas sábado à tarde; funerárias se engalfinham por clientes; cidade transformada em colcha de interesses pelas alterações na Lei de Uso e Ocupação do Solo; eleito o Conselho da Cidade, consultivo; vereador: quem tem poder para mudar é a Câmara; Prefeitura autoriza mais ambulantes e CDL reclama; vereador sugere “rasgar” a rua das Palmeiras para espantar drogados; cidade tem recorde de assassinatos.Paro aqui frustrado, sem entender e com a certeza de que não conhecerei a verdade absoluta, até porque temos visto que na política brasileira não existe uma só verdade, ou seja, ela varia com quem a defende e a expõe. Já nem duvido mais que uma mentira repetida várias vezes vira verdade, pois nós, brasileiros, somos um povo extremamente crédulo. Para os que acreditam que esta ainda é uma cidade de gente séria, preocupada e inteligente, pergunto: “¿Que pasa, Joinville?”

Negra Emília

Todo o dia 10 de janeiro, ela aparecia vestida de mulher. A Negra Emília era personagem folclórica do nosso bairro Bucarein. Vestia-se de homem durante os dias do ano, exceto neste, pois, criada no meio deles, achava-se um também. Vestia invariavelmente calça de brim coringa, camisa de chita xadrez e calçava sandálias de tiras.Empurrava, sempre, um carrinho de mão para fazer trabalho no bairro e onde levava suas mercadorias para o barraco que morava, ali na avenida Cubas, perto daquele que foi um celeiro de craques, o campo do Santos. Dali saíram Giga, Orlando, Piava, Luizinho, Tite e muitos outros ídolos do América e do Caxias.Frequentadora assídua do bar do Chico do Ernesto, vestia-se de mulher neste dia porque era o dia de seu aniversário, que coincidia com o do Chico. Este era um dia de festas. Ela chegava cedo na esquina da Procópio Gomes com a Plácido Olímpio de Oliveira e ia para a casa, que ficava em frente ao bar, daquela que dizia ser sua madrinha: a professora Judite Diniz, irmã do Jacaré Diniz (duas figuras memoráveis do “Buca”).Lá, era servida de café com misturas e passava o seu dia paparicada pelos da casa. No início da noite, os estivadores iam chegando do porto, depois de carregarem as “chatas” (embarcações) com tábuas de pinheiro para as madeireiras que existiam no Portinho e que se destinavam à além mar.Vinham para receber, no bar, o soldo do dia e aproveitavam para degustar “lisos” e “mercedinhos” de “Jabiru” e “Colonial”, as cachaças preferidas da época. Nesta hora, ela também se chegava. Lá pelas sete. O Bera já estava com o bandolim, o Loli, irmão dele, com o violão de sete cordas e o negro Buião com o pandeiro.Nenê Castelhano, Currage, Negro Alemão, Bileca, Chico Apati, Pasteleiro, Melão, Barata e Baratinha, os irmãos Caneta, Ieié, Badeco, Jaci Borges, Milotelo e muitos outros, assim como nós guris: Pirulito, Pinga, Coronel, Vela, Paulo Galo, Lilo Boca D’Água e Pedro Avião. Ficávamos ali escutando o som mágico que saía dos instrumentos tocados pelos músicos estivadores e curtindo as letras de maravilhosos sambas.Mãos que faziam força de dia e deslizavam pelas cordas e couros a noite, fazendo felizes os escutadores e principalmente os aniversariantes do dia. Bons tempos de Negra Emília e do Chico do Ernesto, que neste 10 de janeiro devem estar no céu escutando o mágico Bera.

Natal

A imagem que me vem é de minha mãe enfeitando o pinheirinho. Árvore de verdade, araucárias cultivadas pela dona Olga Schroeder para vender aos vizinhos. Eram enfeitadas com bolas de vidro vermelhas, velinhas coloridas, fios de prata e algodão, imitando neve.Natal nos reporta a lembranças. É comemorado na grande maioria dos lares pelo mundo afora, desde os mais humildes até os mais abastados, de forma especial pelas crianças que, ansiosas, esperam pelo presente do Papai Noel. Para alguns, presentes caros e sofisticados e, para outros, a rara oportunidade de receber algo, mesmo que de segunda mão.Na minha casa não era diferente. Quantas vezes o desejo não se realizou, não por falta de vontade nem de amor dos meus pais, mas por falta de condições para comprar aquilo que almejávamosHoje, entendo esse não ganhar, que naquele momento era de frustração, como lição de vida e de esperança no futuro. Tínhamos o suficiente para viver bem e agradecíamos por isto, mantendo a esperança para o próximo Natal. O valor de estar em família, ao redor do pinheirinho, naquela sala iluminada pelas luzes das velas acesas, superava a frustração do desejo não-atendido.Dia 25, pela manhã, íamos à missa para agradecer ao aniversariante. Camisa nova, tênis “Bamba maioral”, todo prosa. Como era bom sair à rua e ser reconhecido pelas pessoas mais velhas que nos chamavam pelo nome e diziam: “Que camisa bonita ganhaste do Papai Noel!” Sentíamo-nos gente naquele que era o nosso lugar, o nosso bairro.Tristes crianças de hoje que não saem mais na rua, não conhecem, não falam, não trocam olhares nem sabem os nomes de seus vizinhos. Meio dia, do dia 25, família reunida à mesa para o almoço. Macarrão da Stein, galinha ensopada retirada do próprio quintal, morta e limpa pela vó Maria, maionese caseira e gengibirra. Meu pai sempre degustava naquele dia uma Faixa Azul.Tempos difíceis, mas nossos pais nos faziam entender que o que valia era viver a data em honra ao nascimento de Cristo, com saúde, respeito e união familiar. Minhas lembranças são boas e espero que as suas também sejam. Feliz Natal!

Cidades solares

Foco o olhar hoje em cidades que desenvolvem práticas de aproveitamento da energia solar, tornando-se lugares melhores de se viver. Entendo que Joinville pode entrar nesta onda e dar exemplo para o Brasil. Freiburg, Graz, Ballerup, Genève, Newcastle, Adelaide, Ponferraba, Sevilha e Portland estão focadas na disseminação e incentivo da tecnologia de captação de energia solar.O objetivo é fazer programas pró-ativos para se ter o aumento de sistemas solares instalados em edificações, buscando aumentar a energia gerada por fontes renováveis, sustentáveis e descentralizadas; reduzir as emissões de carbono e a dependência de fontes de energia externas.O conceito de cidade solar cresce em todo o mundo, incluindo incentivos financeiros e legislações para seu incremento. Têm sido incentivados os sistemas fotovoltaicos (geração de eletricidade) e aquecedores solares de água e ambientes. Promover o uso de placas voltaicas para iluminação pública e em edifícios públicos e de aquecedores solares de água em edifícios residenciais traz amplas vantagens socioambientais e podem ser facilmente implantados. A criação de cidades solares é, cada vez mais, considerada uma questão de sobrevivência das cidades. Incentivar este processo deve ser objetivo e tarefa de governos municipais, estaduais e nacionais.As cidades listadas acima, independentemente de suas dimensões, servem de modelo e atuam como difusores e líderes no tema aquecimento solar no mundo. A redução das emissões de CO2 na atmosfera é um dos mais importantes desafios que a humanidade vai encarar nos próximos anos. Um m² de coletor solar é capaz de evitar a cada ano a emissão de uma tonelada de CO2 no ar (www.cidadessolares).Apesar da complexidade dos problemas diários a que estão submetidas as cidades, há um reconhecimento claro dos planejadores do futuro de que ações devam ser tomadas, sem demora, com o objetivo de ajudar o planeta e de garantir a qualidade de vida das pessoas. Vamos lá! Joinville na vanguarda! Joinville, cidade solar!

O andarilho e a xepa

Vinha eu com pressa, pois estava atrasado para uma reunião, quando a luz do semáforo ficou vermelha e tive de segurar o carro com o pedal do pé direito. Esquina da João Colin com a Princesa Isabel. Ao meu lado, para um outro carro com uma senhora, uma mão ao volante e a outra estava para fora e segurava entre os dedos um cigarro.A senhora, então, prevendo a mudança de luz no sinal, lança aquilo que pra ela, imagino, era uma xepa, sobre aquela mancha esbranquiçada que um dia foi reconhecida como uma faixa de passagem para pedestres. Pensei, recriminando os dois atos, o de fumar e o de arremessar a xepa na rua: além de fumar e ser uma candidata a enfisema pulmonar (e vai ter que ir para Curitiba porque aqui ainda não conseguiram fazer a casamata para instalar o acelerador linear), ainda é sem educação e joga a bega do cigarro na rua.De repente, surgindo da terra do nunca, de não sei onde, um andarilho se acerca da ponta do cigarro. Agarra-o como uma mãe agarraria um filho a lhe cair do colo. Com força, mas com carinho. Dá uma olhada para a senhora motorista arremessadora, abana-lhe a mão, como a dizer: “É isto aí... obrigado”.Leva aquele pedaço de desejo à boca e dá uma tremenda tragada. Aquilo que a outra entendia como resto foi para ele um êxtase. Extrai com todo prazer e força do mundo o que aquele ópio pode lhe dar.Solta a fumaça com calma. Dá um sorriso gostoso de satisfação e arremessa o filtro ao ar, como quem diz: “Vai, já me destes tudo o que eu queria”.E se vai, caminhar trôpego, mas muito calmo. Transformou aqueles segundos, que me martirizavam pelo atraso, em visão de que uns não se conformam com o muito que têm e outros se satisfazem com um mínimo. Como uma boa tragada na xepa de um cigarro arremessada por alguém.

Engenharia civil, 30 anos

Em julho de 1981, conheci o professor Renato Colagrande, diretor do CCT da Udesc Joinville, pelas mãos do engenheiro José Carlos Vieira. Naquele momento, iniciei a minha carreira de professor no curso de engenharia civil. Em agosto de 2009, o curso completou 30 anos e, em dezembro, completará 25 da primeira formatura. Estavam no departamento de civil: Lourival Malchitsky, Dieter Pinnow, Dilson Bruske, Osny Piske, Edson Fajardo, Aldemir Dadalt, Dieter Neermann e o próprio Vieira. Começavam as disciplinas profissionalizantes e foram se agregando ao grupo Ilmar Borges, Kurt Morriesen, Roberto Busch, Paulo Unger, Clóvis Dobner, Márcio Gern, Mário Aguiar, Edgar Odebrecht, Ivo Persike, Leones Greipel, Ana Mirtes, Jorge Mayerle, Doalcey Ramos, Jorge Achkar, João Miguel, Nelson Trigo, Marco Bley, Itamar Viana, Sandra Krieger, Beatriz Goudard, Miguel Ângelo, Mônica Lopes e muitos outros temporários.Formamos uma grande família de jovens professores e passamos por várias etapas e histórias como o reconhecimento do curso e os vários “A” nos provões do MEC. 821 engenheiros foram formados até hoje.A civil e a Udesc festejam uma história de vitórias, que eu gostaria de transformar em homenagem a dois ilustres professores que já estão em outro plano. O velhinho, Malchitsky, como era carinhosamente chamado pelos alunos de resistências dos materiais, me lembra a inesquecível viagem à Serra do Rio do Rastro. No ônibus e na costelada para os alunos, era o mais alegre e parecia que tinha a idade deles, tal a felicidade por estar ali lecionando ao ar livre e vendo seus olhos brilharem com a engenharia da vida real.O fidalgo Pinnow nos dava aula de educação e simplicidade. Sempre atento e solícito para dar aos mais jovens palavras de orientação e sabedoria. Poucos foram os que se formaram no CCT que não estudaram mecânica dos fluidos com o mestre Pinnow. Certa vez, ele me perguntou em que ano nasci. Eu disse: 1952. E ele: neste ano eu era o engenheiro do Farol de Santa Marta, em Laguna.A vida me deu a oportunidade de encontrar e conviver com estas duas grandes pessoas e para elas, que fizeram parte desta história, dedico estas datas magnas.

Itajuba

Acordei ruim, mal mesmo, desanimado. Sempre passei as férias de verão em Itajuba, com a “Velha Maria”, minha avó. Naquele tempo, não tinha asfalto, tinha era muito barro. Íamos de Joinville no ônibus da Rápido Sul Brasileiro. Três horas e meia de viagem. Bons tempos aqueles, de infância sadia. Nossa casa ficava na rua que dá no costão das pedras brancas e pretas, meio a meio. Dizem que não tem outro igual no mundo. Ali ficava também o Hotel da Catarinense (quem viveu Itajuba, de 1950 a 1970, passou algumas tardes lá, paquerando, namorando e curtindo o melhor picolé de coco do mundo, feito pelo Mario, o ecônomo).Sem luz elétrica, esta era de pombóca (lampião de lata, pavio de corda e querosene) e fazia uma fumaça daquelas, mas mosquito não chegava perto. Depois, veio o lampião a gás. Foi um progresso.Divertimento era andar de “zorra” (carroça puxada por bois) no arrozal do seu Ildefonso e pescar cará no rio do seu Pedro Pavio ou atrás do bar Canoinhas. Sempre a vó ia junto e ainda lembro-me da alegria quando a rolha, que servia de boia, afundava e a gente tirava um cará tijolo. A isca era minhoca, que tirávamos no bananal da velha Miquelina, mãe do João Costa e avó do “Manélzinho” e do Pedro. Passava horas observando maios e biquínis, com a mão no bolso, que diziam não ter fundo. Mas, bom mesmo era o cará frito à noite com pirão d’água, escaldado.Volto ao meu desassossego. Naquele tempo, um bom “benzedor” era o que bastava para curar a gente. Benzia-se de espinhela caída, frieira, mal olhado.Minha vó, crédula na benzeção, como dizia, me levou no seu Chico Feio. Quando me viu amuado, não perdeu tempo e começou a me benzer. Balbuciava e eu não entendia. Conforme andava o benzimento ele bocejava e caiam-lhe lágrimas. Disse que tava com encosto. Saí de lá novinho.Sempre que posso, vou a Itajuba. Meus filhos passaram a infância deles lá, mas são outros tempos. Vou ao costão e curto as pedras e o mar da minha infância. No resto, mudou muito. Não tem mais arrozal, pombóca, peixe no rio. Não tem mais benzimento. Tenho dentro de mim a alegria de ter ali passado a minha infância, com meus irmãos e muitos amigos, que permanecem até hoje.

Estratégia

Joinville sempre foi caracterizada como cidade industrial. As suas empresas vitoriosas, ao posicionarem-se no mercado, tinham estratégia definida. No início, podem não terem sido completas, mas se fundamentaram no senso empreendedor, em análises de mercado, em possibilidades internas, em políticas de gestão de pessoal, de comercialização e de renovação. As que assim fizeram estão aí, exitosas. Outras acabaram em nada por só fazerem o dia a dia. Não se renovaram. Não tinham estratégia.Sabe-se que o sistema econômico da terra, hoje, se baseia em redes de fluxos de informações, capitais, mercadorias e pessoas interligadas e que as cidades constituem os seus nós infraestruturais. Funcionam como organizadoras e dão suporte à economia mundial. Portanto, a que não participar deste sistema de fluxos ficará marginalizada do processo de desenvolvimento. O sistema mundial de cidades se caracteriza por ser hierárquico, flexível e alterável. Daí a importância de se estabelecer uma estratégia para atrair e gerar novos fluxos, além de qualificar os existentes.Colocam os estudiosos do assunto a obviedade das cidades, ainda que mais complexas que as empresas, terem as suas estratégias, se quiserem ser protagonistas em vez de coadjuvantes. É imperioso, para sobreviverem, que definam uma estratégia própria, identificada e elaborada pelos seus atores influentes, com o respaldo da participação popular, criando assim, o sentido do pertencimento.Qual é a estratégia de Joinville para reorientar e reorganizar as suas funções urbanas na adaptação aos novos tempos? Hoje muitas das “nossas” empresas não são mais familiares. Portanto, são regidas por melhores oportunidades e, para deixar a cidade, dependem de decisões que vêm de longe, sem afinidade. Incentivar o desenvolvimento de serviços avançados e de centros de difusão de ciência e tecnologia, baseados na criatividade e capacidade de inovação das nossas instituições de ensino superiores pode ser uma estratégia. Se Joinville ficar só no fazer o dia a dia, sem uma estratégia definida, fatalmente deixará de ser protagonista e estará fora da rede de fluxos mundial.

Revolução dos bichos

Com 18 anos, em janeiro, eu trabalhava no bar do Chico do Ernesto, meu pai, para ele dar uma descansada. Verão, chateado, os amigos na praia. A vantagem era escutar o professor Kavanagh, filósofo da vida, de leituras e conversas. Um dia, perguntei para ele: como podem políticos que se odiavam ontem estarem abraçados hoje? Ele, pensativo, citou Miraci Dereti: “Para os políticos, anjos não têm cor partidária. São os que hoje têm asas. Podem ser vermelhos ou brancos. Se tiverem asas, são anjos!”.Outro dia, meu amigo Mafra, crítico mordaz de políticos de pensamentos declarados que os mudam e se entrelaçam em complexas junções, difíceis para quem pensa, entender e aceitar, me dizia: o único parâmetro que rege os nossos políticos é o da autossobrevivência! Já lestes “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell? Não. Então leia! Li!Fala da insurreição dos bichos de uma granja. Major, o porco ancião, reúne os animais e conta seu sonho em tom profético: os bichos assumindo a granja e formando uma nova sociedade. Eficiente, plural, democrática e livre da tirania.Todos adotam a ideia e expulsam o proprietário iniciando a reorganização. Os mandamentos do Major são escritos na parede: animal nenhum deve morar em casa; dormir em cama; usar roupa; beber álcool; fumar; e tocar em dinheiro. Tempos depois, baseados na pluralidade de pensamentos, debates e escolhas, os líderes passam a usufruir dos confortos, a divergir dos mandamentos e estes vão sendo alterados. Quem reclama é convencido de que se equivocou na interpretação e os que conseguem ler e enxergar covardemente se omitem.Ao final, um só mandamento: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.A revolução dos bichos vive a se repetir. Novos personagens assumem o protagonismo, mas o enredo continua o mesmo.Hoje, entendo o mestre Kavanagh. Junções criativas não se prendem a pensamentos históricos, mas sim em quem “hoje” têm asas, independentemente do seu passado.Diria Sarmiento sobre o Brasil que vivemos: “¡Cualquier similitud con la revolución de los bichos es una terrible coincidencia!”

Bom momento

Como se sabe, as cidades, para serem competitivas, dependem cada vez mais das formas de sua inserção e articulação com a economia global. Portanto, o olhar atual da gestão urbana deve ser, também, o de situar a cidade em condições de enfrentar a competição global. Para Brotchie: “A competitividade da cidade passa por conectividade, inovação e flexibilidade institucional”.Destas três opções, a que mais depende das universidades é a inovação, definida por Manuel Castell como: “A capacidade instalada de uma cidade em gerar novos conhecimentos aplicados às atividades econômicas”. Isto implica dispor de recursos humanos adequados, proporcionado por um sistema educativo de qualidade. Formar grupos de profissionais capacitados e construir instituições de pesquisa aplicada ligadas à vida econômica, com flexibilidade e espírito empresarial, para incorporar no sistema produtivo da cidade as inovações tecnológicas globais.O Ministério da Educação divulgou o resultado do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e, novamente, vemos todos os cursos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc-Joinville) mostrarem nacionalmente que estão no caminho certo. Atualizados e formando com qualidade. O CCT-Joinville se sobressaiu na avaliação dos acadêmicos, de estruturas e de servidores, mostrando à sociedade catarinense, que a sustenta com impostos, que cumpre bem o seu papel.Para coroar a semana, mais uma grande notícia, publicada em “A Notícia” no dia 4: “O Parque Tecnológico de Joinville está nascendo”. A Univille está investindo nele e conta com a Udesc e a UFSC como cogestoras. Por minha conta e risco, digo que a Univille gostaria de ter a participação de todas as entidades que possuem cursos tecnológicos na cidade.São as nossas universidades fazendo a parte delas, investindo no futuro da cidade, do Estado e do País, por meio da boa formação e da inovação pela pesquisa.Parabéns à Udesc, pelo diretor, professor Dieter Neermann, e à Univille, pelo reitor Paulo Ivo Koentopp, por fazerem o que lhes cabe com diligência.

Afonso x Gastão

Na esquina das ruas Afonso Pena e Laguna, na época em que computador, video game e celular eram ficção científica, havia um campo de futebol de areia. Anos 1960, no bairro Bucarein, Joinville. Era ali que a molecada se divertia jogando bola e sacaneando quem perdia. Às vezes, o “pau quebrava”, mas fazia parte.A maior rivalidade era entre as turmas das ruas Afonso Pena e Gastão de Vidigal. Certa feita, a dona Olga, mãe do Cassemiro, que era da Afonso, resolveu criar um clássico, tira-teima, entre os dois times. O que ganhasse levaria um belo troféu, e o perdedor, bolo com capilé.Chegou o grande sábado. As torcidas se espremiam para não perderem o embate. Como juiz, foi escalado o Bebeco. O time da Afonso tinha: Brígido Barata no gol, Ademir e Sílvio Arrióla, Gastão e Pedro Zimmer, Celso Cachorro, Luiz Chemeco e Cassemiro. Técnico: Pedro Ferrugem. Roupeiro: Vicente, filho do Loló; e massagista, o primeiro gay assumido do Bucarein: Mimi.Pela Gastão, estavam: Jair do Chico Boia no gol, Odil Cota, Chiquita, Caloto, Nato Garcia, Arino Gordurinha, Pinga, Nego Sapo; gandula: Pirulito do Chico; e técnico: Gê da Mariazinha. O jogo corria bem. Todos educadamente comportados, afinal, a dona Olga estava no comando. Faltavam cinco minutos para o final, um a um.O time da Afonso pressionando e o Jair pegando até pensamento. Dois pra acabar, o Odil recebe a bola no meio do campo e o Gê grita: “Corre, gordurinha”. Este se lança pra cima do gol adversário. O Odil chuta, a bola bate nas costas do gordura e encobre o Brígido. Dois a um.Final de jogo. Cassemiro, inconformado, olha pro Pedro Ferrugem. Este parte pra cima do Bebeco. Mas ele era um “armário”. Os dois ficam de empurra e dona Olga, inconformada, mas que não queria rolo, entrou no meio e acabou com o entrevero. “Eles ganharam, eles levam o prêmio”.Chamou a gurizada e disse: quem ganhou leva o melhor prêmio: o bolo com capilé. Quem perdeu leva o troféu. Como com ela não tinha nem mais e nem menos, voltamos pra Gastão cada um com um pedaço de bolo de fubá e um copo de plástico cheio de capilé de groselha. Duro foi engolir o sorriso do Cassemiro, mas fazer o quê? Mãe é mãe!

2050

Em 1960, Joinville tinha 55.352 habitantes na área urbana. Em 2009, mais de 400 mil. Infelizmente, pode-se comprovar facilmente que a cidade não se planejou nem se estruturou para este crescimento. Quem já trabalhou na Prefeitura sabe que tenta-se, sempre, dar respostas ao dia-a-dia, à premência da população.Nos últimos 40 anos, tem-se tentado resolver os problemas cotidianos, inerentes a este crescimento absurdo, sempre focado nos efeitos e não nas causas. Na engenharia, é básico: resolver os efeitos, sem solucionar as causas, não adianta; eles voltam. Estudá-las para antever os efeitos e não simplesmente reagir a estes, acredito que seja o caminho.Com todos os percalços que Joinville tem vivido, será que não está na hora de parar e pensar nas causas? Este modelo de reação aos problemas, de tapar as fissuras, já mostrou que não dá certo. Daí pergunto: se hoje é assim, como será em 2050?Entendo que não é fácil se desligar do dia em que se vive e se projetar no incerto, até porque não se imagina como será viver na época de tecnologia da informação, na nova sociedade do conhecimento. Acredito que sustentabilidade, em todos os sentidos, deve ser o objetivo.Água e resíduos, integração e mobilidade, equipamentos urbanos e produção de energia renovável. Temos que fazer um estudo e planejamento apolítico que ultrapasse gestões. Deixar legado inteligente para os vindouros. Forte, decisivo e respeitado!Praticar um exercício de futurismo sem presunção. Imaginar questionamentos e respondê-los. Perguntas de todos os tipos em relação ao viver na Joinville futura (educação, saúde, cultura, integração social, desenvolvimento) e respostas-bases para formatar uma estratégia da comunidade. Poderemos ser realmente de ponta.Joinville sempre foi mostrada como cidade-modelo. Mas isto não vale mais. A realidade até então latente e agora desnuda mostra o contrário. Não incorramos no mesmo erro! Estudando as causas que geram o status de hoje poderemos direcionar todos os vetores de qualidade para um objetivo comum: formular uma estratégia exequível para uma habitabilidade sustentável e saudável. “O que muda um lugar é sua gente. Se sua vida é boa, a cidade é boa” (Peter Hall, urbanista).

Orgulho

A ambição do aluno deve ser superar o mestre. O orgulho deste deve ser o de ser superado pelo aluno. Pelo menos deveria, porque, assim, teria a certeza do dever cumprido. Melhorar os vindouros, por meio do conhecimento e do exemplo, além de ser gratificante, é uma obrigação.Ingressei como professor da Udesc, no curso de engenharia civil, em Joinville, em agosto de 1981, há 28 anos. Para quem leciona matérias técnicas, específicas, existe uma satisfação maior, já que os alunos vêm do básico, curtidos de tanta matemática e física, e quando você começa a falar de obras, de concreto, de planejamento, os olhos deles brilham. “Foi isto que eu vim fazer aqui”, dizem com satisfação.Levamos vantagens sobre os professores da linha dura da engenharia. É só verificar quantas vezes somos homenageados em formaturas em relação a eles. Porém, não sei se é justo.Digo isto com satisfação por três momentos vividos nestes últimos anos. Em Porto, Partido dos Trabalhadores, através desta ferramenta maravilhosa, a internet, encontrei o Réus Salini. Formou-se na civil e faz doutorado em Guimarães, com passagens pelos EUA e Suíça, como parte do curso. Continua com aquele jeito tímido, mas ganhou o mundo. Em viagem pela Alemanha, junto com o meu amigo Romualdo França, visitamos outra egressa da civil: Idanir Pavesi. Nascida na rua Papa João 23, engenheira da Volkswagem em Wolksburg, Alemanha. E o próprio Romualdo, figura ímpar, impossível de passar despercebida, pela alegria, inteligência e garra. Tinha tudo para ir longe e foi! Secretário de Estado de Infraestrutura, não é para qualquer um.Os professores: Roberto Busch, Dieter Pinnow, José Carlos Vieira, Dieter Neermamm, Ilmar Borges, Osny Piske, Nelson Trigo e eu chegamos ao máximo de secretário municipal desta nossa Joinville.Os outros professores do departamento de engenharia civil, não menos importantes, são grandes construtores na cidade e alguns se dedicam exclusivamente ao ensino.É gratificante ter a sensação do dever cumprido e saber que formamos engenheiros que estão espalhados por este mundo afora e fazendo sucesso!

Funerárias

“Ninguém se entende no sistema funerário de Joinville. O ponto alto da confusão (..) aconteceu ontem à tarde” (“AN”, 4/7/2009).Lembrei da Marcenaria Ravache. Trabalhei como engenheiro por mais de 25 anos em Joinville. Cheguei recém-formado e de volta a minha cidade, em fevereiro de 1976, fui trabalhar na Emegê, empresa histórica, dos memoráveis Norberto Paul e Irineu Kienen. Esquadrias era Ravache.Tratava-se a compra com o Euclides e o Paulo; as soluções, com o Nascimento e Osni, e eu, sempre, pedia o Beno como colocador das aberturas e fechaduras nas casas e prédios onde trabalhava. Era sinônimo de qualidade. De janela abrindo suave. De portas fechando sem frestas. Não era preciso dar um pé-de-cabra de presente ao proprietário quando se entregava a obra.Ravache, também, era a funerária de Joinville. De muito tempo.Quando começou a história de mais funerárias, nos anos 1980, achei compreensível, afinal, Joinville havia tido um crescimento populacional absurdo e precisava ter mais ofertas do serviço. Fiquei triste quando a marcenaria histórica foi alijada do processo, pois se encerrou um ciclo de bons serviços prestados à cidade. Por licitação, ganharam as que aí estão.Pelo que acompanho, há em torno de 240 sepultamentos/mês. Dividido por quatro funerárias, 60 para cada. Quero dizer que sou contra o rodízio. Se uma funerária oferece alternativa, porque as outras não o fazem? É muito fácil ficar sentado, na sua semana de rodízio, esperando os clientes que virão de certeza e cobrar o tabelado.Se a cidade parou com o status quo existente e licitou mais empresas, tinha um motivo “louvável”: melhorar o serviço de ofertas e minimizar os custos para a população. Então não vejo lógica neste tal rodízio. As concessionárias ocupam o mesmo espaço público, cobram o mesmo preço e fazem o mesmo serviço. Poderiam ter deixado o Ravache, tradicional e que tinha qualidade.Portanto, imaginando que cada concessionária produz suas urnas e acessórios, a nova licitação deve estipular o preço máximo e as empresas estruturarem-se e venderem pelo mínimo que conseguirem, senão vira cartel. É legal? Livre mercado é a base da melhoria e da inovação. Incentivemos os capazes! Quem vai ganhar é a população. Não é este o objetivo?

Cachoeira

Se há imagem de rio poluído, a do Cachoeira é uma delas.Viramos as costas para ele há muitos anos. Entrou no esquecimento como o lixo que se esconde debaixo do tapete. Temos visto manifestações sobre a despoluição do rio em várias eleições e em umas, confesso, até acreditei. Mas as ações têm ficado somente nas boas intenções.A imagem negativa que o rio mostra leva os céticos a dizerem que dificilmente esta vai se inverter. Mas eu acredito que se possa ressuscitá-lo.A tarefa exige sensibilização, inovação cultural e técnica, análises lúcidas da situação atual do rio e suas tendências, projeto bem desenvolvido, continuado e persistente com implantação programada e articulada. Uma verdadeira parceria de todos: população, universidades, órgãos ambientais, instituições interessadas, sob a liderança da Prefeitura.A proposta que faço é que olhemos o nosso rio-patrimônio de frente. Cachoeira ressuscitado por todos. Sem estrelismos. Sem atropelo. Um projeto da cidade. Sem dono, mas com liderança e vontade política. Pensado e desenvolvido tecnicamente para ser irreversível, com custos suportáveis e tecnologia coerente, consistente e com sistemas de controles baseados em indicadores precisos.Sugiro ao nosso prefeito que determine um órgão gestor para a bacia hidrográfica do Cachoeira e que este órgão fique encarregado de definir as incógnitas inerentes ao problema: análise pormenorizada dos níveis, fontes e tipos de elementos poluentes; monitoramento da qualidade da água; avaliação das redes de saneamento e de águas pluviais; despejos ilegais; limpeza das margens e leitos e um projeto de educação ambiental.Como em qualquer problema, estudadas e definidas as incógnitas, resolvê-lo por meio de um projeto de engenharia requer que se defina o modelo de tratamento a ser utilizado, um cronograma físico e financeiro de implantação exequível e financiadores dos recursos.Se projetarmos despoluir 10% do rio por ano, em dez anos teremos eliminado esta chaga que insistimos em não ver ou em empurrar para debaixo do tapete.Deus quer, o homem sonha e a obra nasce! (Fernando Pessoa)

Conhecimento

Fico pasmo quando vejo pessoas reclamando de vereadores que viajam ou fazem cursos. Entendo que, no início de cada mandato, deveria ser fretado um avião que levasse todos os que farão a gestão da cidade para conhecer outras que fazem o dever com diligência.Salvo raras exceções, a maioria dos nossos edis se elegem devido a sua habilidade de líder e aos afazeres comunitários que os diferenciam de seus pares. Memoráveis pessoas, mas que em muitas vezes não tiveram a felicidade de estudar ou de viajar.Em contrapartida, os técnicos concursados dos órgãos públicos tiveram estudo, mas, em muitas casos, não a vivência. O conhecimento explícito adquirido pelo tocar, pelo ver e pelo usufruir. Se assim o é, como cobrar deles melhorias?As dez melhores cidades do mundo para se viver em 2008 foram Viena, Zurique, Genebra, Vancouver, Auckland, Dusseldorf, Munique, Frankfurt, Berna, Sidney. Como se vê, indo à Àustria, Suíça e Alemanha, eles já conheceriam sete delas.As melhores brasileiras da lista são: Brasília, em 105º; Rio de Janeiro, em 117º lugar; e São Paulo, em 118º. Convicto sou de que o abuso deve ser suprimido, visto a falta de comprometimento e de uso do erário para viagens improfícuas e cursos abjetos, não podemos nos guiar pela desfaçatez e descomedimento de uns, que nos induzem a eliminar as viagens e cursos.Como diria o filósofo do bairro Bucarein, em Joinville, Chico do Ernesto: “Para matar a pulga não precisa matar o cachorro para que ela morra de inanição. Use o veneno certo”.Me preocupa saber que as pessoas que gerenciam a cidade não têm a visão de planejamento urbano e não conheçam o que se faz no mundo em termos de qualidade de vida. É impossível, pois não temos as mesmas condições que eles, diria um cético. Mas por que não temos? Não somos criativos? Não somos inteligentes? Claro que somos. O que precisamos é pensar, se informar e conhecer.A redoma de vidro é transparente. O que não podemos é ficar olhando para o umbigo. Aproveitar a transparência e ver o mundo nos fará sair do marasmo e eliminar os problemas.

Biblioteca pública

Sábado, 16 de maio, antes das dez já esperava ela abrir. Funciona das 10 às 14 e das 16 às 21 horas. Ela, a Biblioteca Xavier Benguerel, da qual fiquei sócio de carteirinha, está a 100 metros de casa. Aos sábados, não vou à Universidade Politécnica da Catalunya, onde faço intercâmbio, programa Euro Brazilian Windows. Aqui tenho livros gerais, livros técnicos, todos os jornais, CDs e filmes, um setor exclusivo para as crianças e internet gratuita.Entro, sento no meu canto preferido, ligo o “parceiro” e vou direto no “A Notícia”. Primeiro, as notícias da cidade onde nasci. “As Caras de Joinville”, produzida por “AN”, é um jeito de contar a história da cidade. De mostrar a sua alma. Fiquei feliz. Enfocava a nossa biblioteca e a bibliotecária Jane, que não conheço, mas que admiro, só pelo lido. “Posso lhe ajudar?”.Quem precisa sabe o quão doce é escutar esta fala. “Te puedo ayudar?”Descreve ela suas três alegrias: socorrer quem não acha o livro desejado, contato com as crianças e conhecer leitores de todas as idades, classes sociais, raças e estilos. Que belo modo de ver a vida. Barcelona inaugurou em 10 de maio a 33“ biblioteca pública, igual a esta em que eu e pessoas de todas as idades, classe social, raça e estilo, passam grande parte das suas vidas.O que me doeu, na reportagem, foi a frase: “Aproveito para pedir a doação de livros que a biblioteca precisa e não pode comprar naquele momento”. Me vi triste nesta afirmação. Quanto custa disponibilizar o que de melhor existe em livros, periódicos, revistas e internet para a Rolf Colin? No meu entender, um ponto na tela orçamentária da cidade.Barcelona possui em torno de 1,6 milhões de habitantes, portanto, uma biblioteca pública para cada 50 mil. Nesta lógica, Joinville deveria ter dez bibliotecas. Claro que temos outros problemas: CEIs, escolas, pronto-atendimentos. Mas deveríamos cuidar bem da nossa única, há anos sem um upgrade, para que os joinvilenses se orgulhem e passem a usufruir de seus espaços. “No Egito, as bibliotecas são consideradas remédios da alma. Nelas se cura a ignorância, a mais perigosa das enfermidades e a origem de todas as outras”, dizia Jacques-Bénigne Bossuet.

Boca-de-siri

Uma das máximas usadas, no tempo em que tomávamos banho no Portinho, ao lado da casa do Lua e brincávamos nos depósitos de madeira, da Gugelmim, Brandt e outras, no Bucarein das décadas de 1950 e 1960, era: boca-de-siri.Significava pedir ao amigo de travessura que não contasse nada, das pilantragens feitas. A expressão falava por si. Nossa galera, Pinga, Jair do Chico Boia, Tinho, Tota e todos os outros, para guardar um segredo só precisavam da dica: boca-de-siri.Um dia, o Chico do Ernesto, o filósofo do Bucarein, cabreiro e querendo saber quem tinha aprontado no rancho do seu João Benjamim, o carroceiro, me apertou. Eu, para manter o trato, lhe disse: “Desculpe, pai, mas jurei boca-de-siri. Então ele me deu mais uma de suas aulas de filosofia mundana.Olhou sério para mim e disse: este termo que vocês usam só serve pra iludi-los. Siri não fala, mas morre pela boca, pela ganância e por querer toda a carniça. Fica tão empolgado com a tripa de galinha, que se agarra e vem com aquela boquinha sugando e não enxerga que está caindo numa armadilha, sendo o seu final conhecido: ao bafo, com uma cerveja bem gelada.Outro dia, esta lição me veio à cabeça, quando lia “A Notícia”. Fiquei correlacionado-a com a inocência e ganância de alguns políticos. Findo o primeiro turno, vêm as composições. Um apoia por um motivo; o outro por outros, mas todos visam aos cargos. Ficam cegos e sem vislumbrar que o que querem pode ser como um risco na água ou ter o valor de papel molhado.A cegueira é tal que acreditam que o outro assumirá suas propostas. Até aí, tudo bem. Cada um acredita no que quer. Mas, ao apoiar, deveriam adotar a “boca-de-siri” da galera do Buca. O risco de não ser atendido é óbvio ululante. Não existe coisa pior do que falar, prometer e não cumprir.Não há outra saída: se não rompe, fica mal. E se rompe, também. Quem perde ou ganha com isto? Como diz o ditado, peixe morre pela boca. Dizia o Arino Gordurinha, quando pegava um “cará tijolo” no trapiche da Stein, quando o Cachoeira ainda era vivo: alguns ficam “inticando”, a gente puxa rápido e fisga pelo rabo.

Cidade definida

Joinville, como qualquer outra cidade, tem a sua alma fabricada pela história do seu povo, nas ruas do Centro e dos bairros. O Centro, coração da cidade de Joinville, tem a variedade e a multiplicidade de usos que caracterizam o fazer urbano, tendo com isto alta densidade de circulação de pessoas.Por ser mais antigo, acaba tendo carência de equipamentos, de áreas verdes e uma estrutura viária incapaz de absorver o tráfego que a periferia dispersa descarrega sobre ele.Com a queda da qualidade ambiental, o Centro vira vítima do seu próprio êxito funcional. Produz um previsível êxodo das pessoas que ali residem, expulsas pela paulatina perda da sensação do bem-estar.A substituição do residir por outras atividades vem degradando este espaço, de valor histórico, estético e cultural, dominado por fachadas pasteurizadas, pelo tráfego irritante e pela insegurança, ocasionada pela desertificação no período noturno e finais de semana.Desvalorizado o Centro, a especulação imobiliária dentro de uma visão comercial e imediatista volta-se para as casas históricas dos bairros residenciais contíguos que exprimem, ainda, um remanso de qualidade ambiental.Passam a ser cobiçadas por olhares outros, que enxergam nelas um valor representativo aos seus negócios e, em seus terrenos, espaços de estacionamento gratuito, cada vez mais difícil em vias públicas. No mesmo sentido, os proprietários vislumbram uma maneira de alcançar uma receita e morar em lugar mais tranquilo.Este será um objetivo diário e constante dos que querem se apropriar destes espaços valorizados. É necessário, então, que surjam (da comunidade, do Legislativo e do Executivo) objetivos e direcionamentos sérios, envolventes, refletidos, que criem e validem políticas urbanísticas de qualidade.Não dá mais para ficar retalhando a cidade sem enxergá-la como um todo e sem considerar a morfologia de cada espaço, respeitando-a.Caso queira-se intervir no nosso tecido urbano, que os objetivos sejam os de melhorar a qualidade de vida e não o de interesses pessoais. Se não tomar-se atitudes coerentes, planejadas e determinantes, fatalmente a cidade ficará amorfa, desinteressante e “sem alma”.

Aproveitar a chance

Tenho lido que Joinville poderá receber 4 mil residências pelo programa do governo federal e que a ação deverá ser gerenciada pela Secretaria de Habitação da cidade. Se considerarmos cinco pessoas por residência, teremos 20 mil pessoas. Dá um belo bairro. Daí o meu questionamento. Onde ficarão estas obras? Qual a estrutura que está se preparando para recebê-las? Como serão estas residências? Como será este bairro?Acredito que uma normativa urbanística é fundamental para definir exigências de patamares e parâmetros mínimos que garantam um nível de qualidade de vida a todos os futuros residentes, apresentando uma quebra de paradigma na regra atual. No momento, regulamentar a aplicação deste vultoso investimento adquire uma relevância especial, pela importância que irá ter no futuro e na intervenção dentro da cidade consolidada, nos efeitos das transformações econômicas e sociais e em novas necessidades e serviços.Planejar não somente casas, ruas e equipamentos públicos, mas estes integrados à qualidade de vida das pessoas. Este novo ambiente deve estar focado nisto. Por certo, a secretaria fará um grande projeto que englobe todo o urbanismo do novo bairro e não simples projetos arquitetônicos das residências. Um projeto diferente, completo, que inicie uma nova história na cidade.Contemplando ciclovias, parques, jardins, água, esgoto, cabeamentos subterrâneos, arborização, depósitos para restos recicláveis e equipamentos urbanos definidos para este conjunto habitacional, visto que irá necessitar, e não se pode mais ficar no “depois pensamos nisto”.Imaginemos as casas de boa qualidade, com água aquecida por sistema solar, dando conforto às pessoas e diminuindo custos com energia. Fazer um projeto econômico e social para o qual a qualidade de vida não represente um luxo, mas sim um padrão essencial. Parece um sonho, mas não é. Outros fazem, nós também poderemos fazer.

Vestibular histórico

O “AN Portal” de 7 de abril dizia que procuradores entraram com ação que, aceita pela Justiça, pode postergar o vestibular da UFSC. “Cobra projetos do aterro da área; obras do sistema viário, isolamento acústico e das torres de transmissão, antes que gastem qualquer centavo destinado ao campus. Exigem a realização de audiências públicas e estudos socioeconômicos para a definição dos cursos.“A UFSC fará do campus um balão-de- ensaio para ‘colocar em teste’ um curso que sequer existe, o de engenharia da mobilidade, alega o MPF”. Jurei que não falaria mais nisto. No entanto, sou obrigado a dizer que os digníssimos procuradores estão extrapolando. A universidade tem autonomia didático-científica, administrativa e de gestão patrimonial, pela Constituição Federal, em seu artigo 207, e disto ela não pode abrir mão.Questionar o local nos cabe, pois foi comprado com dinheiro do município. A “bucha” que a UFSC recebeu pode e deve ser questionada. Os cursos, não! Se o projeto foi aprovado em todos os foros da universidade e aprovado pelo conselho universitário, não há o que se contestar. É condição básica da universidade o direito de definir seus programas e cursos. A autonomia didática e científica, dada por lei, confere plena liberdade de definir currículos, abrir e fechar cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão.Entendo que o conselho universitário, representado por toda a sociedade, está atento ao que esta necessita e se a UFSC definiu este projeto é porque tem certeza que ele é bom e de futuro. Na verdade, é uma obrigação da universidade mudar os paradigmas e sair da mesmice, criando novos cursos, porque o mundo de hoje exige.Não é legítimo duvidar de novas ideias qualificando-as de balão-de- ensaio. Discutir a direção que o dedo aponta, é uma coisa. Discutir se a unha de quem aponta o dedo está suja é outra completamente diferente. Que se faça o vestibular e que se comecem as aulas, enquanto se discute o local de implantação definitivo. A Udesc há mais de 40 anos começou no Colégio Celso Ramos e, se não tivesse começado num local emprestado, não teria formado seus mais de três mil engenheiros, e com certeza a história de Joinville seria outra.

Para refletir

Na porta de um cemitério encontrei: “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”. Frase para reflexão. Pensar em como temos orientado o nosso viver. Sempre tive comigo que o bem ou o mal fazer e como o vivente orientou suas escolhas refletem no seu enterro.Existe coisa pior do que, na hora de levar o caixão, alguém dizer: “Psiu, dá uma mãozinha aqui?” Dá para avaliar os princípios e os fins de alguém quando há seis ansiosos (um para cada alça e com reservas) para carregá-lo. Deve ser angustiante partir sem deixar rastro, marca nenhuma. Não ter feito nada de relevante que fique gravado para a posteridade. “Passar desta pra outra” sem tornar-se imortal para ninguém. O grau de frustração que vivemos é consequência das nossas escolhas.Num prédio de Corpo de Bombeiros de Ramalde, em Portugal, li outra frase daquelas que nos levam a pensar. Dizia, numa placa de bronze: “Que nos perdoem os vindouros pela falta de ousadia”.Imaginem a pessoa inaugurando um prédio e dizendo isto. É muita honestidade alicerçada em frustração. Honestidade por reconhecer que poderia ter feito mais e melhor e não fez por falta de ousadia. É frustrante só fazer o mais fácil, o necessário, sem sonhar, sem ousar. No poema “Vida”, Augusto Branco diz:“Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é ‘muito’ para ser insignificante”.Podemos muito mais do que fazemos. Em situação de crise, onde somos obrigados a renascer, ficamos pasmados ao descobrir o quanto somos talentosos e ousados. Ousar ser diferente quando todos seguem um padrão. Sem ousadia para realizar, sem pelo menos tentar transformar a utopia em realidade, a existência é frustrante.Todos temos o mesmo ponto de partida: o dia em que nascemos. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um. Que tenhamos seis para nos carregar, amigos para nos abraçar na chegada e que os vindouros nos admirem pelo que ousamos.

Acusação infeliz

Na coluna “Portal” do dia 3, li um texto em que a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) dizia: “Essas críticas parecem que são coisa de quem não gosta de Joinville. Claro que o terreno do campus tem problemas, mas a área utilizável é maior do que a da UFSC em Florianópolis. Podemos até discutir a acusação de superfaturamento na compra da área, mas não o terreno”.Sinceramente, como fui um dos que teve artigo publicado no “AN” questionando o local, me sinto ofendido. Deixei claro no que escrevi que a UFSC já vem tarde. O que me revolta, independentemente da enchente, do terreno do posto, das linhas de trem e de alta tensão, é que Joinville tem um plano diretor aprovado e este não pode ser rasgado como está sendo.Se o plano diretor definiu que não é para crescer o urbano joinvilense para aqueles lados, como comprar um terreno rural, e direcionar o crescimento para lá? Mudou-se a lei de zoneamento? É questão de legalidade, não de gosto. Pelo escrito na coluna, a senadora diz que o terreno tem problemas. Mesmo assim é a favor de usá-lo?A segunda parte da afirmativa da senadora era avassaladora. Ela sugeriu: “Podemos até discutir a acusação de superfaturamento na compra da área”. Incredible Hans. Diria Sir Theóphanes em Life`s Cases. Tem alguém investigando isto? E depois nós, meros bípedes pensantes, que ousamos questionar, é que somos contra Joinville?Me desculpem a petulância. Sempre fui um respeitador de hierarquia e de autoridade constituída, mas, nasci em Joinville. E deixo claro aqui que entendo que, nem por isso, sou mais joinvilense do que os outros. Acho até que eles são mais joinvilenses do que eu. Eles escolheram aqui para viver. A mim foi imposto.Pois sou só o produto de uma noite de amor do Chico e da Nilza, que por acaso moravam no Bucarein. Sempre entendi que: mais do que do lugar onde nascemos, somos do lugar onde escolhemos para morar. Quem é joinvilense quer o melhor para a sua cidade. Não seria mais inteligente e nobre rediscutir do que, levianamente, acusar de não gostar de Joinville, quem ousa interpelar?

Joinville em construção

Caminhando pelas estreitas ruelas ladeadas por obras medievais de Guimarães, em Portugal, notei, em muitas destas edificações, placas colocando ao conhecimento dos que por ali flanavam dizeres sobre pessoas que naqueles locais nasceram ou moraram. Aquelas informações são para os turistas mas, principalmente, para os moradores. Como diria o professor Moraes (anos 60), na ET Tupi: “Isto é o óbvio ululante”.Voltei meus pensamentos para Joinville. Guimarães compreende que a história da cidade se funde com a história de seus filhos. E nós?Joinville comemora 158 anos. Com 56 anos, misturo a minha com um terço da dela. Passei a infância no Bucarein romântico, do bar do Chico do Ernesto e de seus frequentadores (professor Kavanagh, Tavinho Karstens, Jacaré Diniz, todos eruditos) e com as histórias de quem as fazia com os braços: os estivadores Nenê Castelhano, Negro Alemão, Bera (saudades do bandolim) e muitos outros.Joinville foi formada por gente com visão de futuro. Entendo, temos que enaltecê-los e mostrá-los para que as gerações futuras não se percam por falta de memória e de exemplos. Sonho ver a cidade, na festa dos 159, inaugurando um espaço histórico: “Joinville em construção”, onde poderíamos conhecer e entender aqueles que misturaram as suas histórias pessoais com a desta cidade.Onde todos pudessem conhecer os: Aubé, Niemayer, Doerfell, Luz, Baptista, Oliveira, Colin, Schmidt, Campos, Freitag, os professores Ana Harger, Castanheira, Mariano Costa, Maia, entre outros que já nos deixaram. As instituições, como: Sindicato dos Estivadores e a do Arrumadores, os clubes (Glória, São Luis, Caxias, América, Ginástico, Liga) e as empresas, molas propulsoras do desenvolvimento (fundições, tecelagens, madeireiras, moinhos, entre tantas outras).A Univille poderia comandar o processo de pesquisa. Claro que o governador e o prefeito não se furtarão em conceder um espaço para a construção deste projeto turístico e de preservação cultural de um povo que soube e sabe fazer a sua história.