sexta-feira, 28 de maio de 2010

O andarilho e a xepa

Vinha eu com pressa, pois estava atrasado para uma reunião, quando a luz do semáforo ficou vermelha e tive de segurar o carro com o pedal do pé direito. Esquina da João Colin com a Princesa Isabel. Ao meu lado, para um outro carro com uma senhora, uma mão ao volante e a outra estava para fora e segurava entre os dedos um cigarro.A senhora, então, prevendo a mudança de luz no sinal, lança aquilo que pra ela, imagino, era uma xepa, sobre aquela mancha esbranquiçada que um dia foi reconhecida como uma faixa de passagem para pedestres. Pensei, recriminando os dois atos, o de fumar e o de arremessar a xepa na rua: além de fumar e ser uma candidata a enfisema pulmonar (e vai ter que ir para Curitiba porque aqui ainda não conseguiram fazer a casamata para instalar o acelerador linear), ainda é sem educação e joga a bega do cigarro na rua.De repente, surgindo da terra do nunca, de não sei onde, um andarilho se acerca da ponta do cigarro. Agarra-o como uma mãe agarraria um filho a lhe cair do colo. Com força, mas com carinho. Dá uma olhada para a senhora motorista arremessadora, abana-lhe a mão, como a dizer: “É isto aí... obrigado”.Leva aquele pedaço de desejo à boca e dá uma tremenda tragada. Aquilo que a outra entendia como resto foi para ele um êxtase. Extrai com todo prazer e força do mundo o que aquele ópio pode lhe dar.Solta a fumaça com calma. Dá um sorriso gostoso de satisfação e arremessa o filtro ao ar, como quem diz: “Vai, já me destes tudo o que eu queria”.E se vai, caminhar trôpego, mas muito calmo. Transformou aqueles segundos, que me martirizavam pelo atraso, em visão de que uns não se conformam com o muito que têm e outros se satisfazem com um mínimo. Como uma boa tragada na xepa de um cigarro arremessada por alguém.

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