terça-feira, 28 de maio de 2013

Bailão

Nós, de formação técnica, no meu caso engenharia, sempre temos reação negativa com cursos das áreas humanas. Afinal, de tanto provarmos teoremas e resolvermos derivadas e integrais, acabamos virando céticos em relação àquilo que, teoricamente, não se pode provar. Como deixei de lecionar na engenharia (onde, geralmente, se é duro e seco) e fui para a arquitetura (onde o perfil é outro), senti falta de algo a mais para me entender e relacionar com os alunos. Resolvi, então, fazer uma especialização em dinâmica de grupos. Foram dois anos, um final de semana por mês. No começo, foi difícil, uma vez que era muita psicologia e filosofia. Mas a turma era muito boa e de diferentes formações, o que me motivou. Por coincidência, um dos coordenadores também era engenheiro, só que mecânico. Como sou civil e tenho um irmão engenheiro mecânico, sacaneio dizendo que eles são míopes, pois nós enxergamos as coisas no máximo em centímetros e eles, em milímetros. Pior, agora em nanômetro. Portanto, muito mais céticos e quadrados que nós. A outra coordenadora era psicóloga. Um poço de conhecimento. Nas primeiras reuniões, confesso que foi difícil, pois era muita conversa. Não raro, visto ser um processo andragógico e não pedagógico, havia desabafo e catarse e, consequentemente, choradeira. Mas posso garantir que, ao final, foi muito bom e aconselho aos colegas engenheiros. Meu trabalho de conclusão foi em como a dança de salão influencia nos grupos da terceira idade. Para entender, tivemos que fazer pesquisas em vários bailões. Posso garantir que foram gratificantes estas inserções e que a dança e o relacionamento entre estas pessoas que, na maioria das vezes, são solitárias forçadas, trazem a elas novo sentido de vida. Não foram poucos que garantiram que deixaram até de tomar vários remédios e que faltar a estas reuniões grupais fazia-lhes muito mal. Outro dia, fazendo sauna no clube Sargentos, conversava com o Rosinha e com o Theóphanes, o pândego, quando este me disse: “Pô, Hans, tenho que ir ver o Binho na UTI. Vens comigo?” Compadecido, disse: “Vou”. E fomos. Distraído, nem vi onde ele me levava, quando parou na frente de um bailão de terceira idade. Perguntei: “Ué, o Binho não estava na UTI? Isto é um salão de baile”. Ele, soltando a peculiar gargalhada, me disse: “Não conheces o Binho? Chegado que é numa coroa, não sai aqui da UTI, ‘última tentativa dos idosos’, e, já que estamos aqui, vamos dançar!”.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Embuste

Embuste, por Anselmo Fábio de Moraes* “Pô, Pirulito, a coisa está feia”, diz o Gordurinha. “As notícias só mostram desgraça! Jovem morto por um celular; dentista queimada por trinta reais; ureia e formol no leite; condenados do mensalão sem punição. O repertório de crueldade não finda.” “Tens razão, Gordura. Parece que respeito, bondade, sabedoria, lealdade, honestidade, sinceridade, justiça e verdade são valores de gente otária. Aproveitando, te pergunto: quem é mais bandido: os que atearam fogo na dentista ou os que colocaram água e ureia, com formol, no leite, sabendo que são produtos cancerígenos? O guri que atirou no outro para roubar um celular para comprar droga ou os políticos do mensalão, que enchiam os bolsos com dinheiro da saúde e da educação? “Bro, não sei. A gente vê propaganda do governo dizendo que tirou milhões da miséria, que todo mundo está comendo bem, que oferece boas escolas e, ao mesmo tempo, crimes bárbaros continuam acontecendo. Me parece que estamos soçobrando na ganância. No lucro fácil. E o exemplo começa na política. Se olharmos para Brasília, veremos que no começo, além das boas-vindas, os do poder traziam-nos o sentido da liberdade, da paz, do desenvolvimento e até da riqueza. Com o tempo, se mostram tão ditadores como os que defenestraram. Roma despejava ouro aos camponeses quando apareciam focos de revolta, para domá-los. A meu ver, nosso país republicano vai na mesma linha. Mandos e desmandos, crimes, drogas, desvios e corrupção acontecendo. E cala-se o povo distribuindo bolsas. O império romano distribuía o que roubava dos países invadidos. Aqui os invadidos são os que produzem e pagam impostos. Mas tal lá como cá, quem faz pose de altruísta são os imperadores. Como se o que oferecem a eles pertencem!”, completa o Gordura. “Tens razão”, diz o Pirulito. “Pão e circo. Em Roma, fascinação pelos gladiadores. Aqui, pelo futebol. Apesar de que, agora, temos os UFCs da vida e os gladiadores voltaram. Ressurge a fascinação pela violência e pelo sofrimento. As arenas romanas produziam espetáculos mortais que, como uma droga, agradavam ao público e, ao mesmo tempo, desviavam o pensar da população dos verdadeiros problemas do império. O mesmo acontece por aqui. A violência está se enraizando e a ilusão das copas e olimpíadas iludindo o povo”.

Mercados públicos em todos os bairros

Mercados públicos em todos os bairros, por Anselmo Fábio de Moraes* As cidades crescem de fatos e feitos sonhados, vivenciados e realizados pelos seus cidadãos cotidianamente. Cada espaço é construído por ideias, sonhos, utopias e determinações cristalizados em realizações. Nestas criações estão os equipamentos urbanos comunitários, que atravessam os tempos e permitem determinar o sentido, a natureza e o modo de viver das pessoas em seus bairros e cidades. Para mim, um desses equipamentos são os mercados públicos. Os espaços internos e externos desses centros de comércio sempre serviram, além do comercializar, como local para o encontro e o congraçamento dos moradores de uma região, agrupando, sintonizando e direcionando as forças que se entrelaçam nas conversas, nos olhares e no toques cotidianos. Claro que a cidade não pode resistir ao novo, aos supermercados, aos shoppings, mas, na minha visão, deve resistir naquilo que é seu e que traz como capital adquirido: sua história, seu jeito de ser, suas atividades, suas diferenças, resumidamente, seu modo de viver. Com o crescimento de Joinville, surgiram bairros populosos, com estrutura e vida própria, que formaram a cidade dispersa. As cidades brasileiras não costumam levar mercados públicos para estas novas aglomerações humanas, o que se traduz, na minha visão, numa perda muito grande da identidade da própria cidade, pois não criando estes espaços para a sua população, perde-se um local de congraçamento e de autoconhecimento, ou mesmo o sentido de vizinhança, característica dos bairros, membros pulsantes das cidades. Deixam de ter o que este equipamento pode oferecer aos cidadãos, em termos de entrelaçamento social e serviços coletivos, que melhoram a qualidade da vida urbana. A criação de locais de comércio e encontro, em espaços atrativos e representativos, serve para a comunidade como elementos estruturantes socialmente, que orgulharão os moradores do bairro e os farão viver o ambiente com satisfação. Como estamos rediscutindo a cidade, que tal recriar o nosso espaço urbano, valorizando cada bairro com seu mercado público, que servirá, não só de fixação de atividades econômicas compatíveis com o tecido residencial, imprescindíveis para a manutenção da economia, mas também da preservação da cultura e da história de cada local.