sexta-feira, 28 de maio de 2010

Negra Emília

Todo o dia 10 de janeiro, ela aparecia vestida de mulher. A Negra Emília era personagem folclórica do nosso bairro Bucarein. Vestia-se de homem durante os dias do ano, exceto neste, pois, criada no meio deles, achava-se um também. Vestia invariavelmente calça de brim coringa, camisa de chita xadrez e calçava sandálias de tiras.Empurrava, sempre, um carrinho de mão para fazer trabalho no bairro e onde levava suas mercadorias para o barraco que morava, ali na avenida Cubas, perto daquele que foi um celeiro de craques, o campo do Santos. Dali saíram Giga, Orlando, Piava, Luizinho, Tite e muitos outros ídolos do América e do Caxias.Frequentadora assídua do bar do Chico do Ernesto, vestia-se de mulher neste dia porque era o dia de seu aniversário, que coincidia com o do Chico. Este era um dia de festas. Ela chegava cedo na esquina da Procópio Gomes com a Plácido Olímpio de Oliveira e ia para a casa, que ficava em frente ao bar, daquela que dizia ser sua madrinha: a professora Judite Diniz, irmã do Jacaré Diniz (duas figuras memoráveis do “Buca”).Lá, era servida de café com misturas e passava o seu dia paparicada pelos da casa. No início da noite, os estivadores iam chegando do porto, depois de carregarem as “chatas” (embarcações) com tábuas de pinheiro para as madeireiras que existiam no Portinho e que se destinavam à além mar.Vinham para receber, no bar, o soldo do dia e aproveitavam para degustar “lisos” e “mercedinhos” de “Jabiru” e “Colonial”, as cachaças preferidas da época. Nesta hora, ela também se chegava. Lá pelas sete. O Bera já estava com o bandolim, o Loli, irmão dele, com o violão de sete cordas e o negro Buião com o pandeiro.Nenê Castelhano, Currage, Negro Alemão, Bileca, Chico Apati, Pasteleiro, Melão, Barata e Baratinha, os irmãos Caneta, Ieié, Badeco, Jaci Borges, Milotelo e muitos outros, assim como nós guris: Pirulito, Pinga, Coronel, Vela, Paulo Galo, Lilo Boca D’Água e Pedro Avião. Ficávamos ali escutando o som mágico que saía dos instrumentos tocados pelos músicos estivadores e curtindo as letras de maravilhosos sambas.Mãos que faziam força de dia e deslizavam pelas cordas e couros a noite, fazendo felizes os escutadores e principalmente os aniversariantes do dia. Bons tempos de Negra Emília e do Chico do Ernesto, que neste 10 de janeiro devem estar no céu escutando o mágico Bera.

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